sexta-feira, 8 de agosto de 2014

" navios e navegação, rumos, rosa dos ventos, rumos magnéticos, resguardos "



 Rumos

As ordens dadas por um comandante devem ser repetidas e obedecidas rapidamente. Por exemplo:
« arribar » ou « orçar uma quarta »
Os rumos podem ser referidos quanto ao lado esquerdo do barco (bombordo), ou ao direito (estibordo), ou para a frente (à proa), ou para trás (à popa). O lado do navio resguardado do vento chama-se sotavento; o lado de onde o vento sopra é o lado de barlavento.
As manobras medem-se em graus (até 180º em cada lado do navio) ou em quartas (ângulos de 11º 15' na rosa-dos-ventos. As posições para bombordo e para estibordo estão divididas em quatro quartos cada uma com quatro quartas.
Mostra-se aqui estes quartos sempre em relação à proa do navio; refere-se ao ângulo tomado pelo vento em relação ao barco à vela.   
 

As velas
Existem dois tipos principais de velas, que frequentemente se usam , as velas redondas são de propulsão que normalmente envergam em vergas atravessadas com o mastro para aproveitar os ventos de feição. As velas latinas dispõem-se longitudinalmente com a testa envergada num mastro ou num estai. O testa da vela pode envergar numa carangueja enquanto a esteira enverga numa retranca. Muitas armações como o Ketch, a escuna e o patacho evoluíram segundo as necessidades locais. As velas são feitas de panos cosidos uns aos outros com ourelas sobrepostas, de forma a resistirem mais aos ventos violentos. Os tecidos usados tradicionalmente são o algodão e o linho; actualmente, tornou-se comum o uso de tecidos sintéticos.
*arte de uma vela – testa de uma vela:
Pano da vela, botão, patola da testa, tralha, pena, sapatilho redondo, garruncho, ilhós, punho da pena, valuma, bainha de pontos d costura, tecido sintético, forra da tralha, costura de estoque

Navegação
Navegar é a arte de levar com segurança um navio entre dois pontos definidos pela latitude e longitude. Em tempos recuados os navegadores serviam-se de marcos para se direccionarem, enquanto o marinheiro que estava de quarto se servia de uma ampulheta para saber durante quanto tempo se navegou num determinado rumo indicado pela bússola.
O sextante, como a balestilha e o astrolábio, permitia aos navegadores obterem a sua latitude através do ângulo entre dois objectos conhecidos, ou entre um corpo celeste e o horizonte. O cronómetro permitia calcular com precisão a longitude, através da comparação da hora local com a hora de Greenwich (longitude 0º) . No mar para conhecer a velocidade e a distância percorrida rebocava-se à popa uma barca de patente

Pilotagem
Navegar, usando pontos de referência conhecidos junto à costa ou em pontos, tem o nome de pilotagem. Os navegadores usam determinados instrumentos , como a bússola e as sondas, que servem para garantir que se navega numa rota segura. Na bússola um íman é atraído pelo Norte magnético. Uma rosa-dos-ventos é constituída por um círculo de papel assente sobre pequenas barras de aço magnetizado: a circunferência é dividida em graus de 0º a 360º e quadrantes, os quais indicam o rota do navio. A bússola é colocada na bitácula. Esta é formada por um pedestal de madeira onde se colocam os compensadores dos vários desvios da agulha provocados pela distorção magnética de um navio de aço. Actualmente na maioria dos navios usam-se dispositivos electrónicos para se saber a profundidade. No entanto, alguns navios ainda recorrem à linha de prumo, graduada em braças ou nós. Termos como «e meia» indicam fracções de uma braça. As bóias são flutuadores que assinalam perigos par a navegação e marcam os limites navegáveis de canais. O fim a quem se destinam determina-se pela sua forma, côr e sinais. Os faróis emitem clarões a uma cadência regular indicada nas cartas de navegação.    
Rosas dos Ventos
 1492 Jorge de Aguiar
Nas cartas iluminadas, os rumos ou «linhas de rumo» eram desenhados, a cores, a partir de «rosas dos ventos», semelhantes às das agulhas de marear, e cada cartógrafo tinha o seu estilo próprio de desenhar essas «rosas».



O Norte destas «rosas» era representado por uma «flor de liz», símbolo empregado pelos portugueses e que depois se universalizou.
Também era uso representar o ponto cardeal «Leste» com outro símbolo, a maior parte das vezes, uma cruz, para indicar o lado do nascimento do Sol, isto é, o Oriente, donde naturalmente o termo «orientar».
A cruz a indicar o Leste de alguns mapas da Idade Média apontava, no Mediterrâneo, a Terra Santa. As cores das «linhas de rumo» nas cartas iluminadas eram as seguintes: a preto, os oito rumos principais cardeais e inter-cardeais, a verde, as oito meias partidas, e as dezasseis quartas, a vermelho.
Por exemplo a «ROSA» que figura no planisfério dito de «Cantino de 1502», não é da sua autoria nem o próprio planisfério pois trata-se de uma obra atribuída a portugueses.
Alberto Cantino foi um espião do Duque de Ferrara, Ercole d'Este. A execução do mapa foi efectuada por um cartógrafo português desconhecido  em Lisboa, a troco de 12 ducados. Cantino enviou ao Duque o mapa.em 1502.
Conserva-se na Biblioteca Extense de Módena (Itália).
In “ROSAS DOS VENTOS DAS CARTAS DE MAREAR PORTUGUESAS”. Anais do Clube Militar Naval. – Ano CXIII, N.º Especial (1983).


Fonte: Luis. Duarte Lopes
Blogs: Cabo das Tormentas 1488

As cartas de marear dos séculos XV e XVI não utilizavam qualquer método explícito de projecção cartográfica, a superfície da Terra era considerada como plana e na carta eram marcados os rumos magnéticos e as distâncias navegadas nesses rumos, daí a denominação de cartas rumadas. As primeiras cartas de marear utilizadas pelos portugueses foram evoluções das cartas-portulano do Mediterrâneo que os portugueses começaram a utilizar provavelmente ainda no reinado de D. Diniz.
Nestas cartas não se detectam escalas para latitude e longitudes, no entanto existe uma escala, em léguas, para as distâncias.
O cálculo da posição estimada da embarcação era fortemente condicionado por diversas componentes. Por um lado, existia o problema do cálculo da velocidade no mar (face ao fundo). Os métodos utilizados não levavam em linha de conta a velocidade das correntes marítimas e ainda eram afectados pelo deficiente sistema de mediação de tempos (ampulheta). Finalmente, os rumos navegados eram magnéticos e não verdadeiros, mas isso era um facto desconhecido na altura.
Como já identificámos, no século XV a declinação magnética em Portugal e na costa norte de África era relativamente pequena, não devendo exceder os 3º Leste até ao arquipélago de Cabo Verde.
Assumindo que no século XV as embarcações portuguesas utilizavam agulhas genovesas com um factor de correcção igual a seis graus (leste), podemos verificar que as diferenças entre os rumos verdadeiros e os da agulha não deveriam ultrapassar a meia quarta (~ seis graus) contribuindo seguramente para a reconhecida boa qualidade da cartografia portuguesa de então.
Navegando ao longo da costa Norte de África
Se o factor de correcção fosse nulo, portanto com os ferros fixos na flor-de-lis, os valores obtidos ainda seriam melhores. A aproximação aos rumos verdadeiros ainda seria mais notória, com desvios muito próximos de zero. Esta questão é muito importante pois vai permitir-nos introduzir o tema dos “resguardos”, que eram compensações inseridas pelos pilotos nas rotas navegadas.

Navegando ao longo da costa Norte de África
Não deve esquecido o efeito resultante das operações de cevar que se efectuavam a bordo. Ao serem magnetizados os ferros, a agulha alinhava naturalmente com o Norte magnético do local. Para as agulhas alinhadas com a flor-de-lis em termos de navegação isso apenas se reflectia na robustez das indicações da agulha (ferros de novo magnetizados). Para as agulhas com os ferros não alinhados com a flor-de-lis, em cada operação de cevar a flor-de-lis era alinhada com o norte verdadeiro, logo novo factor de correcção era implementado (equivalente ao local onde o navio se encontrava).
Os pilotos registavam as rotas (singraduras) e as velocidades estimadas, calculavam as suas posições estimadas, e era este conjunto de dados que no regresso a Portugal era dado aos cartógrafos que desenhavam novas cartas através da nova informação que os pilotos recolhiam. Este trabalho de recolha sistemática de informação que era incorporada nas cartas de marear atravessou todo o século XV acompanhando as descobertas portuguesas que se dirigiam para Sul, rumo ao Cabo da Boa Esperança.

Recuperemos as seguintes afirmações de João de Lisboa:

“…e porque os antigos não sentiram esta variação, andavam mudando os ferros das agulhas fora da flor de liz, para que naqueles meridianos onde as cevavam fossem fixas nos pólos do mundo; e por esta razão achamos nas cartas todas as costas falsas por uma quarta e por duas”. 

porque costumavam alguns [os antigos], como dito é, tirá-los [os ferros] fora da flor-de-lis por uma quarta e duas e mais, segundo era [a flor-de-lis] fora do meridiano fixo ”.

Em Portugal usavam-se agulhas genovesas, flamengas, francesas, alemãs (e portuguesas), originárias de locais onde no século XV a declinação magnética seria aproximadamente igual a 6 graus leste, eventualmente no máximo 8 graus leste. Portanto entre a meia e os 2/3 de quarta.

Achamos a observação de João de Lisboa razoável quando diz “ duas e mais quartas fora da flor-de-lis”, pensamos que João de Lisboa concluiu que se “achamos nas cartas todas as costas falsas por uma quarta e por duas” então os ferros estavam fora da flor-de-lis por igual ângulo. Mas sendo o factor de correcção igual à declinação magnética do local de construção e montagem da agulha de marear ou dos locais onde as agulhas eram cevadas, compreende-se que esse factor possa ter sido superior a 20 graus quando os valores da declinação eram dessa ordem de grandeza. 


Recuperemos de novo a obra “Libro de Longitudes” do espanhol Alonso de Santa Cruz quando ele diz o seguinte:

“ Y asi fueron entendiendo poco a poco que cantidad de grados y quartas de aguja era y conforme a ello procuraron de dar resguardos a la aguja conforme a las derrotas que hacian para llevar mas certidumbre en las navegaciones que hacian, el cual trabajo non teniam los que navegaban por el Mediterráneo, porque en las cartas que teniam hechas por derrotas iba dado en ellas los talles resguardos de nordesteamientos”.

Com esta explicação Alonso Santa Cruz esclareça duas questões muito importantes:
A tentativa de corrigir os rumos da agulha (para verdadeiros) a bordo através de “resguardos” e,
O efeito que esses mesmos resguardos tinham sobre a cartografia pois os pilotos forneciam aos cartógrafos as derrotas (rumos) já com os resguardos incluídos.
Importa portanto reter que Alonso de Santa Cruz afirma que os pilotos que navegavam no Mediterrâneo não necessitavam de considerar qualquer resguardo nas suas rotas pois as cartas que utilizavam tinham sido desenhadas precisamente considerando esses resguardos.

Carta de Jorge de Aguiar
Excerto da carta de Jorge de Aguiar (1492), com rede de meridianos e paralelos.
(Imagem retirada da comunicação apresentada na Academia de Marinha pelo Académico Correspondente Capitão-de-Mar-e-Guerra EHO Joaquim Alves Gaspar, em 3 de Junho de 2008)
A carta portuguesa mais antiga que se conhece assinada e datada está arquivada na Yale University, em New Haven (EUA). É de 1492 e o seu autor é Jorge de Aguiar. É um exemplo de uma carta rumada. Existem paralelos e meridianos mas não se detectam escalas para latitude e longitudes. No entanto interpolando as redes geográficas de meridianos e paralelos implícita à representação, obteve-se como resultado que esta rede aparece rodada para a esquerda, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, uma característica comum a todas as cartas-portulano até ao século XVIII. O ângulo médio de rotação é de 8º, valor que está de acordo com o que hoje conhecemos sobre o valor declinação magnética no Mediterrâneo, durante o século XV.
Imaginemos fig. seguinte que uma embarcação parte de uma posição conhecida (a). Navega durante um determinado período de tempo pela proa norte magnético (360º) até chegar a um lugar desconhecido (b). O piloto comunica ao cartógrafo que navegou X léguas pelo rumo 360 º a partir de a. O cartógrafo desenha na nova carta (V1) o local b.
Se comparássemos a nova carta V1 assim obtida com as posições reais veríamos então que a carta estava “rodada” para a esquerda.
Rumo e distância estimada transmitidas ao cartógrafo; posição real
Complicando um pouco o cenário, imaginemos fig.seguinte que o mesmo piloto, na mesma embarcação, repete a viagem partindo da posição conhecida (a) mas desta vez utilizando uma agulha de marear com os ferros fixos fora da flor-de-lis precisamente oito graus para levante, isto por ser o valor da declinação magnética onde a agulha foi construída e montada. Navega X léguas com a flor-de-lis pela proa (360º - norte geográfico) e quando chega ao final desta singradura verifica visualmente que o ponto b está por estibordo embora na carta V1 a embarcação estivesse no local certo (no local onde o cartógrafo fez a correcção anterior, desenhando o local b).
Navegando pela flor-de-lis e verificando discrepância com a posição real
Nestas condições, na próxima viagem que este piloto repetisse, iria considerar (mais correctamente estimar) um “resguardo” de oito graus (aproximadamente ¾ de quarta) para leste, governando por 008 graus e desta forma, apesar de na carta o rumo traçado fosse 360, iria aterrar em b governando por 008. A agulha “nordesteava” e o piloto compensava esse facto desta maneira. Assim, este piloto na próxima vez que estivesse com o cartógrafo, iria transmitir-lhe que era necessário corrigir a carta pois afinal para atingir o local b a partir de a era necessário navegar X léguas pelo rumo 008. Desta forma, o local b seria desenhado na sua posição real (carta V2).
Portanto b ficava a X léguas de a pelo azimute 008.
Numa futura viagem de a para b, usando a nova carta V2, o piloto já poderia verificar que o rumo para chegar a bera igual a 008 e já não necessitava de dar um resguardo.
Para concluir este conjunto de cenários, vamos agora imaginar nova viagem nos mesmos moldes, entre a e b, mas desta vez com a embarcação munida de uma agulha com os ferros ferrados na flor-de-lis. O piloto vai utilizar a carta mais recente, a V2, e verifica que para sair de a para b tem que navegar X léguas ao rumo 008.
Sabemos que:
Rumo Verdadeiro = Rumo Magnético + declinação (- W / + E)
Portanto
008 + 008 = 016, rumo verdadeiro.
Vejamos então a figura seguinte:
Navegando com ferros na flor-de-lis; verificando discrepância com a posição real
Apesar de colocarmos a posição do navio na carta em b, depois de navegarmos X léguas pelo rumo 008º, de facto podemos visualmente observar que o local b se encontra por bombordo, confirmando as palavras de João de Lisboa quando concluía que “achamos nas cartas todas as costas falsas por uma quarta e por duas”.
O piloto teria que estimar um “resguardo” para uma próxima viagem, para bombordo, neste caso cerca de oito graus (navegar por 360 na agulha). 
Com os resguardos os pilotos tentavam aproximar os rumos magnéticos dos rumos verdadeiros, isto apesar de não conhecerem o fenómeno da declinação magnética. Aos rumos que retiravam das suas cartas de marear faziam incidir um resguardo equivalente ao noroestear ou nordestear das agulhas, desta forma aproximando a sua navegação dos rumos verdadeiros mas utilizando cartas desenhadas através de rumos e azimutes magnéticos.
Alguns pilotos forneciam aos cartógrafos os rumos já com os resguardos pelo que nesse caso as novas versões das cartas de marear aproximavam-se mais da realidade, os rumos magnéticos aproximavam-se dos rumos reais, pelo menos enquanto não se verificasse variações sensíveis da declinação magnética.

As cartas eram portanto desenhadas através de rumos magnéticos mais ou menos compensados com os resguardos conhecidos. Estas cartas tinham obviamente uma validade desde logo condicionado com a variação da declinação magnética no tempo, mas isso era desconhecido nos séculos XV e XVI. As posições reais não coincidiam com as posições carteadas mas as cartas cumpriam com as suas funções pois forneciam os rumos magnéticos que deveriam ser utilizados para se chegar ao destino.


Carta de Jorge de Aguiar, 1492. Yale University, em New Haven (EUA)
Como já referido, a carta portuguesa mais antiga que se conhece assinada e datada está arquivada na Yale University, em New Haven (EUA) [fig. nº 52]. É de 1492 e o seu autor é Jorge de Aguiar, piloto e mais tarde Capitão de naus das Índias no final do século XV e princípio do século XVI.
Para iniciarmos a nossa abordagem à carta de Jorge Aguiar, vamos recordar dois modelos (figuras nº 53 e nº 54) que estimam o valor da declinação magnética em 1500 no Mediterrâneo e costa leste do Atlântico Norte.

Declinação magnética em 1500

Nestes dois modelos é possível verificar uma concordância no facto da declinação magnética ser nula nos Açores e na margem oriental do Mediterrâneo.
Declinação magnética em 1500
Curiosamente na carta de Jorge de Aguiar surgem duas rosas-dos-ventos (?) muito simples, sem flor-de-lis e aparentemente com uma agulha bem desenhada, apontando para o norte 
Destaques na Carta de Jorge de Aguiar
A primeira destas duas rosas, surge perfeitamente alinhada com a linha agónica (declinação nula) que passaria nos Açores em 1500.
Recordemos o que diz João de Lisboa no capítulo IX do Tratado da Agulha de Marear, “Em que se declara como havemos de tomar este meridiano Vero….”:
Hás-de saber que este meridiano vero, onde as agulhas verdadeiramente ferem o pólo do mundo ártico, divide a Ilha de Santa Maria e a ponta da Ilha de São Miguel….”
O desenho desta rosa muito peculiar e o seu posicionamento na carta (fig. nº 56) faz com que legitimamente possamos colocar a pergunta se não seria já conhecido o fenómeno da variação da agulha na época (1492) em que Jorge de Aguiar desenhou a carta.
Uma segunda rosa, cujo desenho é idêntico ao da primeira, parece indicar a linha agónica que passava pelo Mediterrâneo embora se estime que na época esta passasse mais para oriente, na costa oriental do Mediterrâneo, e não no centro do Mediterrâneo como parece surgir na carta de Jorge de Aguiar. No entanto não deixa de ser um indício que parece indicar alguma semelhança no que se pretendia assinalar com estas duas rosas.
Cart5.png

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Carta de Pedro Reinel (1504) com duas escalas de latitudes


A carta de marear de 1504 de Pedro Reinel (arquivada na Bayerische Staatsbibliothek, Munique), famoso cartógrafo português, é a carta mais antiga conhecida por ter uma escala de latitudes. Na realidade a carta apresenta duas escalas de latitude, sendo uma desenhada ao largo da Terra Nova e orientada obliquamente. A escala oblíqua apresenta um ângulo de 22º 30’ em relação ao Norte, valor muito aproximado daquele que se estima quer seria o valor da declinação magnética (15º W a 25º W, de acordo com diversos modelos) naquela zona em meados de 1500.
Supomos que o ângulo da escala de latitudes resulta indirectamente da adaptação da escala de latitudes aos territórios já previamente desenhados e não da imposição prévia de um ângulo (duas quartas) no desenho da própria escala. Na realidade Pedro Reinel adaptou a uma carta já existente uma primeira escala de latitudes. Tinha boas referências para a construir, as latitudes das várias ilhas do Arquipélago dos Açores, o mesmo em relação a Cabo-Verde, Canárias, Madeira, etc. No entanto percebeu que as latitudes e os rumos navegados que os pilotos portugueses lhe forneciam para os pontos mais importantes da costa da Terra Nova (como por exemplo o Cabo St.John e o Cabo Spear, como hoje são conhecidos) não se ajustavam à primeira escala, daí tendo seguramente surgido a engenhosa ideia de ajustar uma escala oblíqua na carta.
Discordamos que se diga de forma peremptória que esta escala oblíqua não representa um primeiro testemunho do conhecimento explícito dos desvios das agulhas. Concordamos com a opinião de que esta escala oblíqua resulta do reconhecimento por parte dos desenhadores das cartas de marear das dificuldades em cartografar correctamente a esfericidade da terra, mas não afastamos em absoluto a hipótese de já existir um conhecimento razoável dos desvios sofridos pelas agulhas, do noroestear e nordestear das agulhas de marear. Existem alguns factores de dúvida que deverão ser estudados com mais profundidade, como iremos tentar fazer, nomeadamente o facto de o desenhador da escala oblíqua ter atribuído exactamente o valor de duas quartas ao ângulo da mesma escala.
O trabalho desenvolvido pelos pilotos e cartógrafos portugueses em cartografar e desenhar nas cartas de marear a Gronelândia e a Terra Nova foi notável.
As naus envolvidas nessas viagens partiram maioritariamente dos Açores, navegando grandes distâncias por mares muito agrestes, o Atlântico Norte. O tradicional método de desenhar novos territórios nas cartas existentes (oriundas dos portulanos) através das singraduras e das léguas navegadas incorria em muitos mais erros do que quando se navegava ao longo da costa de África, que era uma navegação fundamentalmente em latitude e com declinação magnética geralmente moderada. Um dos problemas que se colocava logo à partida, era o facto (desconhecido para os pilotos) de que na época a declinação magnética era nula nos Açores e aumentava com a navegação para Poente atingindo valores muito elevados (aproximadamente 20 º a 25º W) na Terra Nova.
Através de exemplos vamos tentar ilustrar a situação.
Sabemos que:
Rumo Verdadeiro = Rumo Magnético + declinação (- W / + E)
Imaginemos (fig. nº58) que uma embarcação parte de uma posição conhecida (a). Navega durante um determinado período de tempo para Oeste (270º) até chegar a um lugar desconhecido (b). O piloto irá transmitir ao cartógrafo que navegou 100 léguas pelo rumo 270º a partir de a. O cartógrafo desenhará numa nova carta (V1) o local b1.
Rumo Verdadeiro = 270 + declinação (- 20º Oeste) = 250º
Fig. 58 – Navegando para Oeste no Atlântico Norte

Repare-se que se a posição inicial a tivesse a latitude de 40º norte então, na carta de marear, a posição b1 ficaria com a mesma latitude quando na realidade b1 está para Sul dessa latitude (e para levante da posição estimada). Para este exemplo vamos verificar que a latitude real é igual a 38º norte.
Vamos calcular o valor da latitude do lugar b1.
Sabendo que
Sin φ = h / 100 léguas
Sin 20 = 0,432, logo h = 34,2 léguas
34,2 léguas ≈ 2

Portanto a latitude de b1 é igual a 38ºN.
(nota importante – para o estudo que pretendemos efectuar simplificámos os cálculos de trigonometria considerando a superfície da Terra como plana e não esférica. Rigorosamente deveríamos recorrer às fórmulas da trigonometria esférica mas o rigor dos resultados que obtemos através de simples aplicações de trigonometria plana é perfeitamente suficiente para o que pretendemos avaliar).
Continuemos o nosso estudo com novo exemplo.
Imaginemos (fig. nº59) que uma embarcação parte da mesma posição conhecida (a). Navega durante um determinado período de tempo para Oeste (320º) até chegar a um lugar desconhecido (b2). O piloto irá transmitir ao cartógrafo que navegou 100 léguas pelo rumo 320º a partir de a. O cartógrafo desenhará numa nova carta (V1) o local b2.
Ora como:
Rumo Verdadeiro = Rumo Magnético + declinação (- W / + E)
Rumo Verdadeiro = 320 + declinação (- 20º Oeste) = 300º
Fig. 59 – Navegando para Oeste no Atlântico Norte
Repare-se que a latitude atribuída à posição b2 será sempre maior que o seu valor real.
Vamos calcular o valor da latitude do lugar b2 em dois passos.
Sabendo que
320 (Rumo da agulha) = 270 (Oeste) + 50
Sin φ = h / 100 léguas
Sin 50 = 0,766, logo h = 76,6 léguas
76,6 léguas ≈ 4,5
Portanto a latitude cartografada de b2 é igual a 44º 30’N.
Vamos agora calcular a latitude real de b2.
Sabendo que
300 (rumo verdadeiro) = 270 (Oeste) + 30
Sin φ = h2 / 100 léguas
Sin 30 = 0,5 logo h2 = 50 léguas
Ora 50 léguas ≈ 3º
Portanto a latitude verdadeira de b2 é igual a 43º N.
Vamos concluir apresentando um último exemplo.
Imaginemos (fig. nº 60) que uma embarcação parte da mesma posição conhecida (a). Navega durante um determinado período de tempo para Oeste (360º) até chegar a um lugar desconhecido (b3). O piloto irá transmitir ao cartógrafo que navegou 100 léguas pelo rumo 340º a partir de a. O cartógrafo desenhará numa nova carta (V1) o local b3.
Rumo Verdadeiro = 360 + declinação (- 20º Oeste) = 340º
 Fig. 60 – Navegando para Norte no Atlântico Norte
Vamos também calcular o valor da latitude do lugar b3.
Sabendo que
Cos φ = d1/ 100 léguas
Cos 20 = 0,939693 logo d1 = 93,97 léguas
Portanto d2 = 100 – d1= 6,03 léguas
6,03 léguas ≈ 20’ (1/3 grau)
Portanto a latitude de b3 é igual a 45º 40’ N.
Assim sendo, de forma resumida, a situação é a seguinte:
Na nova carta V1 seriam então desenhados os novos pontos b1, b2 e b3 em posições erradas, que resultavam dos rumos magnéticos e das léguas que as embarcações navegavam durante as suas singraduras. De forma muito simples, e para prosseguirmos com o nosso estudo, na fig. nº 61 apresentamos a nova porção de costa que passaria a constar na carta de marear V1.
 Fig. 61 – Nova linha de costa desenhada na carta V1
Com a utilização da nova carta os pilotos começaram a verificar que utilizando os rumos correctos (as loxodrómias propostas na carta) atingiam os pontos de destino, mas as latitudes que observavam nesses mesmos lugares eram substancialmente diferentes.
É sabido que os pilotos sempre que lhes era possível se deslocavam a terra onde em terreno firme calculavam com grande rigor as latitudes, através da leitura das alturas observadas durante a culminação do Sol e da estrela Polar. Os pilotos começaram a verificar que as latitudes que estimavam eram substancialmente diferentes das latitudes que observavam nesses mesmos lugares.
Neste caso as distorções que eles detectavam eram muito evidentes mas de muito difícil explicação. A declinação magnética muito forte (cerca de 20º W) tinha um efeito muito sensível neste caso.
Em oposição ao que se verificava com as explorações portuguesas ao longo da costa ocidental do continente africano, o número de viagens à Gronelândia e à Terra Nova foi absolutamente residual pelo que não se verificavam as condições de correcções sucessivas nas cartas de marear que resultavam das sucessivas viagens. Este facto inquestionável, associado aos valores muito significativos da declinação magnética, contribui seguramente para uma menor qualidade na cartografia resultante.
 Fig. 62 – Posições reais na nova linha de costa desenhada na carta V1
Na figura nº 62 tentamos representar a referida distorção comparando a linha encarnada (linha real da costa) com a linha azul (linha desenha na carta). Como se pode verificar existe uma rotação pronunciada para a direita das posições carteadas (enquanto no Mediterrâneo essa mesma rotação era para a esquerda pois a declinação magnética era de leste).
Na realidade, exceptuando a costa do Brasil, os pilotos portugueses navegavam no Atlântico por zonas onde a declinação magnética era muito pequena ou pouco significativa. Nos mares da Terra Nova surgia uma nova situação e que constituía no facto de as latitudes obtidas por estima serem muito diferentes das observadas astronomicamente. Nunca antes tal tinha sucedido. Assim que se tentou ajustar uma escala de latitudes os cartógrafos perceberam que a mesma não podia ser única, a escala não se ajustava às novas terras descobertas na Terra Nova e Gronelândia.
Assim surgia um novo desafio para os cartógrafos, e que basicamente era o seguinte: se os rumos da agulha estavam correctos, facto que era verdadeiro pois as naus navegavam segundos os mesmos e chegavam correctamente aos seus pontos de destino, então como explicar (e alterar nas cartas) as diferenças tão substanciais nas latitudes estimadas e observadas. A solução encontrada foi engenhosa. Não se alterou o desenho da costa (não havia justificação para o fazer) e criou-se uma escala de latitudes própria para a zona.
Fixando a escala de latitudes num ponto de latitude conhecida (por exemplo em b1) restava rodar a escala de latitudes até que a mesma acomodasse correctamente os outros pontos notáveis (figuras nº 63, nº 64 e nº 65).
Fig. 63 – Ajustando uma escala oblíqua de latitudes (1)
Fig. 64 – Ajustando uma escala oblíqua de latitudes (2)
O ajuste da escala não seria obviamente perfeito mas permitia de forma imaginosa ultrapassar um problema prático complexo. De qualquer forma parece-nos claro que não existe aqui uma indicação evidente da compreensão do fenómeno da declinação magnética mas antes uma necessidade de ajustar as cartas de marear às escalas de latitudes que começavam a ser introduzidas nas mesmas cartas.
Fig. 65 – Ajustando uma escala oblíqua de latitudes (3)
Se reparamos na parte que foi seleccionada da carta de Pedro Reinel na figura nº 66, podemos verificar que a escala oblíqua das latitudes está perfeitamente ajustada com a loxodrómia equivalente às duas quartas que parte da rosa-dos-ventos. Como já foi referido, estima-se que o valor da declinação magnética fosse muito aproximadamente igual às duas quartas por volta de 1500, valor confirmado pelo facto da escala de latitudes estar perfeitamente orientada nas duas quartas.
Fig. 66 – Posicionamento da escala oblíqua de latitudes na carta de Pedro Reinel