terça-feira, 10 de dezembro de 2013

" viagem de Vasco da Gama à Índia"

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As Naus de Vasco da Gama
Fonte:
Marinha de Guerra Portuguesa Séculos XII a XIX
A Armada de Vasco da Gama deverá ter sido formada pelos primeiros navios construídos expressamente a partir da experiência científica e prática de mais de meio Século de navegações atlânticas.
O Plano da “São Gabriel” e da “São Rafael” foi riscado segundo as indicações de Bartolomeu Dias e João Infante e a construção processou-se no Lugar da Telha, próximo de Alhos Vedros e não na Ribeira das Naus como escreveram alguns historiadores.
Deslocavam respectivamente 120 e 100 tonéis e foram acompanhadas pela Caravela Redonda (ou Nau) São Miguel”, impropriamente denominada Bérrio, nome do seu proprietário, e por uma Nau de carga de 200 tonéis comprada a Aires Correia de Lisboa para o transporte de mantimentos.
Na altura, utilizava-se como unidade de medida volumétrica o tonel de 7 palmos de altura e 5 no maior diâmetro, pelo que a tonelagem se referia à quantidade de tonéis transportados no porão.
Segundo Brás de Oliveira, “junta-se 1/5 à tonelagem então indicada e obtém-se a correspondência actual”. Para o mesmo autor, a “São Gabriel”, media, de comprimento 19 m desde a ré à vante, contando os lançamentos da roda e cadaste na altura da coberta e 6 m de boca na casa-mestra, a qual andaria pelos 1,5 m para vante do meio da quilha.
Por sua vez, o comandante Baldaque da Silva está de acordo com Brás de Oliveira no comprimento, mas diz que a boca na sua maior largura media mais 2,5 m, ou seja, 8,5 m e o pontal a meio da quilha tinha igualmente mais 2 m que nos cálculos de Brás de Oliveira.
 A, São Gabriel seria pois muito mais bojuda, mais mercante; lenta para os nossos tempos, mas rápida para a época. 
O diário da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia, entre 1497 e 1499, foi aceite pela UNESCO e integra agora a lista dos Registos da Memória do Mundo desta instituição.
Provavelmente nenhum veleiro ultrapassaria a “São Gabriel” durante dois Séculos; pelo menos até ao aparecimento das fragatas de 1750 ou pouco antes.
O pano de treu (linho) usado nos tempos do Rei Dom Manuel I, anterior à lona, não permitia a confecção de velas redondas ou quadrangulares com mais de 500 metros quadrados e latinas com mais de 300.
Nesse aspecto, a “São Gabriel” estava muito aquém das naus que lhe sucederam na rota da Índia; a sua vela maior deveria ter uma área de uns 182 m2.
As naus de Vasco da Gama andavam mal de bolina cerrada.
A verdade é que as Caravelas latinas da época também não navegavam muito bem à bolina, isto é, com ventos contrários, apesar de serem melhores neste aspecto que os navios ditos redondos. A vela quadrada permitiu mais tarde bolinar com a técnica de rodar as velas do mesmo mastro em ângulos diferentes, daí a sua presença em todos os grandes veleiros até aos dias de hoje nos navios-escola.
Em 1497, as naus eram ainda navios das descobertas; não dispunham de um roteiro preciso nem de uma meteorologia empírica sobre ventos, correntes e estações austrais. Daí serem equipadas com o máximo de abastecimentos e acessórios possíveis.
Só andainas de pano eram três, além de âncoras e amarras para substituir as que se perdessem e tantas bombardas, pólvora e pelouros como nenhum navio recebera ainda.
Segundo Chaunu, a Armada de Vasco da Gama levava víveres para três anos e seis meses, ou seja, 2.600 kg por homem.
A ração diária compreendia aproximadamente libra e meia de biscoitos por dia, meia libra de carne ou peixe salgado, algum arroz ou legumes secos, um litro de água doce e ¾ de vinho, tudo muito bem registado pelo escrivão da Nau.
Posteriormente estabeleceu-se como norma, geral, uns 600 a 700 kg de mantimentos por homem na Carreira da Índia.
Apesar dos cuidadosos preparativos, dos 148 tripulantes da Armada de Vasco da Gama só regressaram 55 homens.
Todavia, a venda da carga na Casa da Guiné e da Índia cobriu 60 vezes as despesas feitas.
A introdução do canhão a bordo era muito recente quando Gama partiu para o Índico.
São Gabriel e a São Rafael dispunham cada uma dez peças de artilharia de bronze por bordo, sendo 4 canhões na tolda, 3 bombardas na alcáçova e 3 sob o castelo da proa.
Estas bombardas ou canhões de grosso calibre foram verdadeiramente a origem do poder português nos mares asiáticos.
Então, os portugueses inventaram as portinholas de artilharia no costado e a própria disposição e amarração das peças.
O cartucho de pólvora foi uma ideia de Vicente Sodré, tio de Afonso de Albuquerque, que para aumentar a cadência da artilharia resolveu ensacar previamente a pólvora para ser colocada logo que a alma do canhão tivesse sido arrefecida e limpa de restos de pólvora com escovilhões adequados, em vez de a lançar a granel como se fazia então.

Claro está que os ingleses e holandeses têm a mania que inventaram isso tudo, revelando a mais inconcebível ignorância e refiro-me a alguns historiadores de prestígio que são um exemplo de incompetência total, mesmo perante simples amadores de boa-fé 
sempreque se trata da historiografia portuguesa.
 
Vasco da Gama, pintura a óleo de Gregório Lopes 1524
O diário, que é atribuído a Álvaro Velho, é propriedade da Biblioteca Municipal do Porto e esteve já ali exposto. É possível fazer uma leitura online destes diários através da colecção Gâmica da Biblioteca Digital da Universidade do Porto.
O reconhecimento do diário da viagem de Vasco da Gama como Registo da Memória do Mundo resultou de uma análise, juntamente com mais de 80 outras inscrições, submetida ao Comité Internacional do Programa Memória do Mundo, que está reunido até sexta-feira em Gwangju, na Coreia do Sul. 
A candidatura do diário terá sido entregue com a premissa de fornecer um "testemunho da viagem marítima pioneira (...), um dos documentos decisivos que mudaram o curso da história". Para além do recente reconhecimento do diário de Vasco da Gama, outros três documentos portugueses, que fazem parte do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), já integravam o Registo Memória do Mundo.
rota da descoberta do caminho marítimo para a Índia da frota de Vasco da Gama, por Gago Coutinho
São estes a carta de Pêro Vaz de Caminha ao rei de Portugal D. Manuel I sobre a chegada ao Brasil (Terra de Vera Cruz, Brasil, 1 de maio de 1500),
local onde a guarnição de Vasco da Gama fundeou frente a Calecut, Índia a 21 de Maio de 1498
O Tratado de Tordesillas (na versão castelhana), de 7 de Junho de 1494, assim como um conjunto de 83.212 documentos, que datam de 1161 a 1699, que visam, segundo o ANTT, a "informação e esclarecimento sobre as relações entre os europeus, sobretudo as dos portugueses com os povos africanos, asiático e latino-americanos".
Torre de Belém, Lisboa, obra-prima do estilo manuelino, foi construída entre 1515 a 1521 na margem direita do rio Tejo sob o traço do arquitecto Francisco de Arruda. Foi concebida como baluarte mas tem uma elegância sóbria. Há muito que deixou de ter a sua função de defesa da barra do Tejo e durante a dinastia filipina foi usada como masmorra. A torre tem quatro pisos, com a Sala do Governador, dos Reis, de Audiências e a Capela que mantém as suas abóbadas quinhentistas. O pormenor que mais atrai os turistas é o rinoceronte esculpido em pedra. Em 1983 foi classificada pela UNESCO como Património Cultural da Humanidade.
mosteiro dos Jerónimos, Lisboa

O Mosteiro dos Jerónimos ou Mosteiro de Santa Maria de Belém é um mosteiro português da Ordem de São Jerónimo construído no século XVI. Situa-se na freguesia de Belém, Lisboa. Tem, desde 2016, o estatuto de Panteão Nacional.
Ponto culminante da arquitectura manuelina, este mosteiro é o mais notável conjunto monástico português do seu tempo e uma das principais igrejas - salão da Europa. A sua construção iniciou-se, por iniciativa do rei D. Manuel I, no dealbar do século XVI e prolongou-se por uma centena de anos, tendo sido dirigida por um conjunto notável de arquitectos / mestres de obras (destaque-se o papel determinante de João de Castilho).
O Mosteiro dos Jerónimos encontra-se classificado como Monumento Nacional desde1907 e, em 1933, foi classificado como Património Mundial pela UNESCO, juntamente com a Torre de Belém. A 7 de Julho  de 2007 foi eleito como uma das sete maravilhas de Portugal.
Estreitamente ligado à Casa Real Portuguesa e à época dos Descobrimentos, o Mosteiro dos Jerónimos foi, desde muito cedo, "interiorizado como um dos símbolos da Nação".
É hoje uma das mais importantes atracções turísticas de Portugal.

Vasco da Gama 

Vasco da Gama provém de uma família nobre. Seu pai, Estêvão da Gama havia prestado relevantes serviços ao reino, não só combatendo no Norte de África, mas muito especialmente em actividades de espionagem no seio da antiga Anafé (Casablanca-Marrocos). Aí, disfarçado de vendedor de figos, buscava informações sobre a real capacidade defensiva da cidade, e o seu sucesso foi tal que D. João II logo se prontificou a recompensar tal argúcia e bravura, nomeando-o alcaide de Sines.
Terá sido provavelmente aí que nasceu o jovem Vasco, por volta de 1468/69, o segundo de quatro irmãos. O seu local de nascimento encontra-se envolto em alguma polémica, havendo quem lhe aponte Évora ou Santarém, respectivamente os locais de nascimento dos pais, como sua cidade natal. Seja como for, denota-se uma clara afectuosidade de sua parte em relação a Sines. Os esforços que mais tarde, no regresso da sua primeira viagem à Índia, Vasco da Gama levará a cabo de maneira a recuperar a alcaidaria de seu pai, onde quereria fixar a sua família, denotam esse apreço à então vila de Sines.

Em fins do séc. XV, a vila tratava-se de uma pequena povoação piscatória, que não chegava aos 200 habitantes, mas que, no entanto, se distinguia pela posição estratégica que ocupava no contacto com o mar, cabendo mesmo ao seu alcaide o título de “Alcaide do mar”.

Assim, terá sido nesse lugar que, já antes de se tornar alcaide, Estêvão da Gama terá exercido a prática da navegação, envolvendo provavelmente o filho na sua actividade. Conhecendo-se muito pouco da vida de Vasco da Gama, anteriormente a 1496, é esta preferência e este apego à sua terra de família que nos permite compreender a sua vocação e bases científicas. Uma prática náutica vivida desde a adolescência, no decorrer da qual adquiriu as necessárias noções de Matemática, Cosmografia, Astronomia, bem como o manuseamento de instrumentos náuticos como a bússola ou o astrolábio

Vasco da Gama era fidalgo da casa de real, por isso conheceu e lidou desde muito cedo com D. Manuel I. Ora, em 1495 dá-se a morte de D. João II, falecendo sem que deixasse um herdeiro legítimo que ocupasse o trono. É, por isso, o seu primo D. Manuel que lhe sucede, retomando muitas das políticas e projectos desenvolvidos por D. João. Entre eles, encontrava-se a concretização da chegada à Índia por mar, projecto acalentado e cuidadosamente preparado por D. João II, que acabava sem tempo para o realizar. Pois essa é uma empresa à qual D. Manuel dará imediato seguimento, convocando Vasco da Gama para preparar a expedição logo a partir de 1496, cabendo-lhe ainda a sua liderança.

Estando então em Montemor-o-Novo, D. Manuel manda-o chamar, para que se apresentasse com seus capitães em audiência pública. Aí, diante de alguns notáveis do reino, D. Manuel passou à leitura das suas razões e objectivos, elogiando e depositando a sua confiança em Vasco da Gama. Posto isto, e estando ajoelhado, apresentam-lhe uma bandeira de seda com uma cruz ao meio, das da Ordem de Cristo (da qual D. Manuel era administrador), perante a qual Vasco da Gama se compromete a atingir o seu objectivo, desfraldando-a perante todos os povos que avistasse, defendendo-a com a vida e trazendo-a de volta no seu regresso vitorioso.

Posto isto, foi-lhe entregue a bandeira, dizendo-lhe D. Manuel que decidisse o que levar, e encarregando seus oficiais de providenciarem tudo quando fosse requerido por Vasco da Gama, incluindo os mestres e pilotos que entendesse.

A par do apetrechamento dos navios, que eram três (S. Gabriel, S. Rafael e S. Miguel), Vasco da Gama pediu aos seus marinheiros que procurassem aprender ofícios enquanto não embarcassem, pagando-lhes para tal um excedente do soldo base. Assim se ganharam carpinteiros, cordoeiros, calafates, ferreiros e torneiros que garantiriam a manutenção das embarcações no decorrer da viagem.

réplica da nau S. Gabriel, museu da marinha portuguesa
Caravela Vera Cruz, a mais exacta réplica das antigas caravelas usadas pelos portugueses

Na véspera da partida, estando já os navios prontos e ancorados no Restelo, procederam os capitães a uma vigília na Igreja de Nossa Srª da Vocação de Belém (que aí o Infante D. Henrique havia mandado erguer. Hoje, o Mosteiro dos Jerónimos), onde receberam os sacramentos.

A partida decorreria então a 8 de Julho, um Sábado consagrado a Nossa Senhora, pelo que, aliando a natureza votiva deste templo ao propósito de se ver partir a armada, muita gente acorreu ao Restelo. Após a realização de missa solene, prosseguiu-se uma grande procissão que deveria acompanhar os mareantes até junto dos batéis.

Assim, de tochas na mão, caminhando Vasco da Gama com os seus à frente, junto com os sacerdotes, sucedia-lhes a imensa população que ia repetindo a ladainha à frente cantada. Chegados à beira rio, todos se ajoelham e silenciam. O sacerdote faz a confissão geral e absolve os mareantes, que podiam perecer na viagem. Entrando nos batéis espalhados pela praia, cerca de 150 homens rumam às pesadas embarcações ancoradas no Tejo, por elas se distribuindo.

Seguem-se os Adeus, as lágrimas, o contentamento de uns, a apreensão de outros. Entre quem parte e quem vê partir multiplicam-se as reacções. O sentimento de perda e fatalismo mistura-se com exortações de sucesso e glória. Enquanto se reconhecem os rostos prolongam-se as emoções, à medida que aumentava a distância. Consta que D. Manuel os seguiu ainda no seu batel, dando-lhes palavras de alento e coragem. Com as velas plenamente soltas e à mercê do vento do Norte, os navios aceleram e el-Rei fica para trás, sempre a observa-los até desaparecerem no horizonte.
Texto: http://recuemos.blogspot.pt/
A partida de Vasco da Gama para a Índia em 1497 - Alfredo Roque Gameiro

A 8 DE JULHO DE 1497, A ARMADA DE VASCO DA GAMA PARTE RUMO À ÍNDIA

O embarque realizou-se num Sábado, 08 de Julho de 1497, e foi um espectáculo impressionante: Luís de Camões, que descreveu esta viagem, exprimiu orgulho da multidão que se juntou naquela manhã nas areias brancas do Restelo para lhes desejar boa sorte:  

Os Portugueses somos do Ocidente,
Imos buscando as terras do Oriente.

A armada largou finalmente quando à tardinha, se levantou uma brisa fresca. Os navios deslizaram lentamente, rio abaixo, rumo ao Atlântico. E então, nas palavras de Camões

Já a vista, pouco a pouco, se desterra
Daqueles pátrios montes que ficavam
E, já depois de toda se escondeu,
Não vimos mais, enfim, que mar e céu.


O DIA A DIA DA VIAGEM DA GUARNIÇÃO DE VASCO DA GAMA


08 Julho 1497 - cerca de 150 homens embarcam no Restelo nos quatro navios da armada de que é capitão-mor Vasco da Gama, então com uns 30 anos. À sua nau é a "São Gabriel", com o piloto Pêro de Alenquer, a nau "São Rafael" tem por capitão o seu irmão Paulo da Gama, e piloto João de Coimbra; a "Bérrio " uma caravela tem por capitão Nicolau Coelho e piloto Pêro Escolar: uma nau com um suplemento de mantimentos, leva por capitão Gonçalo Nunes.
15 Julho - a armada passa pelas ilhas Canárias
16 Julho - pescaria frente à Terra Alta dispersando-se depois a armada, frente ao rio de Ouro, devido a nevoeiro.
23 Julho - os navios começam a reagrupar-se na ilha do Sal, arquipélago de Cabo Verde.
27 Julho - a armada de novo reunida faz escala na ilha de Santiago, recolhendo-se a bordo carne, água e lenha.
03 Agosto - a armada deixa o arquipélago de Cabo Verde e começa uma larga volta pelo Atlântico Sul.
04 Novembro - os portugueses voltam a avistar terra na África do Sul.
07 Novembro - a armada chega à Angra de Santa Helena, onde os navios são limpos, recolhendo-se aí lenha e água.
12 Novembro - incidente com os indígenas, que atacam os portugueses ferindo Vasco da Gama, depois de Fernão Veloso ter ido para  o interior com eles, no desejo de conhecer as suas formas de vida.
16 Novembro - partida de Angra de Santa Helena.
22 Novembro - o cabo da Boa Esperança é ultrapassado.
25 Novembro - chegada à Angra de São Brás, onde se faz aguada e foi destruída a nau dos mantimentos, depois destes serem distribuídos pelas outras embarcações.
06 Dezembro- colocação dum padrão e de uma cruz na Angra de São Brás. Foram destruídos no dia seguinte.
 baía de Stª Helena, África do Sul, local do desembarque da guarnição da frota de Vasco da Gama a caminho da Índia

07 Dezembro - partida da Angra de São Brás.
12 Dezembro - grande tempestade.
15 Dezembro - chegada aos ilhéus Chãos.
17 Dezembro - chegada ao rio Infante, o último sítio descoberto pela guarnição de Bartolomeu Dias, 12 de Março de  1488.
25 Dezembro - chegada à Terra do Natal.
11 Janeiro 1498 - chegada à Terra da Boa Gente, junto do rio do Cobre (Inharrime), onde a armada esteve cinco dias fazendo aguada e onde os indígenas se revelaram amistosos.
24 Janeiro - A "Bérrio" chega ao rio dos Bons Sinais (Quenimane). No dia seguinte entram as duas naus nesse rio. Os navios são depois limpos em terra, onde foram vistos indícios de que se aproximavam de um mundo  onde havia comércio rico. Antes de partirem Vasco da Gama mandou colocar em terra o padrão São Rafael.
24 Fevereiro -  A aramada deixa o rio dos Bons Sinais.
25 Fevereiro - descoberta das Ilhas Primeiras
01 Março - chegada à ilha de Moçambique. Esta ilha estava integrada na rede muçulmana de comércio do Índico e Vasco da Gama começou então a enfrentar adversidades resultantes das reacções hostis dos muçulmanos.
11 Março - missa no ilhéu de São Jorge (actualmente de Goa).
23 Março - escaramuça em frente da ilha de Moçambique, devido aos indígenas pretenderem impedir os portugueses de ali fazerem aguada.
29 Março - a armada deixa o ilhéu de São Jorge levando dois pilotos muçulmanos  embarcados, os quais tinham o propósito de conduzir os navios a um local onde pudessem ser atacados por uma potência islâmica da África Oriental.
06 Abril - depois da armada passar ao largo de Quilóa a nau "São Rafael" encalha no baixio que ficou com o seu nome.
07 Abril - chegada a Mombaça
10 Abril - a armada não consegue entrar no porto de Mombaça e os pilotos muçulmanos fogem dos navios portugueses, que, nessa noite, escapam a uma tentativa de assalto.
13 Abril - a armada deixa Mombaça.
14 Abril - são capturados os tripulantes de uma embarcação local. A aramada chega a Melinde.
18 Abril - Vasco da Gama encontra-se no batel  da sua nau com o rei de Melinde, que recebe cordialmente os portugueses.
22 Abril - embarca um piloto guzarate n armada portuguesa, que a passa a orientar durante a travessia do Índico.
24 Abril - a armada deixa Melinde iniciando a travessia do Oceano Índico.
18 Maio - a guarnição de Vasco da Gama avista " uma terra alta": era o Monte Deli. Tinha chegado à Índia.
20 Maio - a armada chega frente a Capua (Kappad), que o piloto guzarate confunde com Calecute.
chegada da guarnição de Vasco da Gama a Calecute, Índia 

21 Maio - chegada a Calecute e desembarque de um degradado, que ali se deparou com dois mouros de Tunes, conhecedores da língua castelhana, a quem comunicou que o objectivo da viagem era encontrar cristãos e especiarias". Em apenas duas palavras resumiam-se os parâmetros religiosos e económicos que estavam subjacentes à missão de Vasco da Gama.
encontro de Vasco da Gama com o Samorim 

A DESCOBERTA DO CAMINHO MARÍTIMO PARA A ÍNDIA

ROTEIRO DA VIAGEM DE VASCO DA GAMA À ÍNDIA

Na primeira parte da viagem, Vasco da Gama seguiu a rota habitual nos navios mercantes portugueses para Sul, ao longo da costa marroquina, depois das Canárias, rumo às Ilhas de Cabo Verde - onde fizeram escala para proceder a reparações e para se reabastecerem de mantimentos e de água potável - e seguidamente para Sudeste, a fim de contornar o grande bojo de África. 

Contudo, algures nas proximidades da Serra Leoa, um pouco a Norte do Equador, Vasco da Gama afastou-se da costa. Ciente das correntes e dos ventos contrários que retardaram o avanço dos navios que tentam regressar junto ao litoral desde aquele ponto até ao Cabo da Boa Esperança, guinou resolutamente a Sudeste e aproou ao azul vazio do Atlântico.

A  sua decisão revelou-se acertada. Com efeito, os ventos e correntes do Atlântico Sul são tais que a melhor rota para a África Meridional descreve um arco gigantesco ao largo da costa. Vasco da Gama e a sua armada, navegando para Sudoeste, cruzaram o Equador pelos 19º de longitude Oeste, chegando provavelmente a cerca de 600 milhas do litoral do Brasil, antes de rumarem de novo a Sudeste. A manobra de Vasco da Gama, além de surpreendente, inquietara sem dúvida as tripulações. 

Com efeito, desde a largada das Ilhas de Cabo Verde, a 03 de Agosto, haviam três meses sem avistarem terras, um recorde para a época. No entanto, a 22 de Outubro, algumas aves voando para Sudeste, "como aves que iam para terras" deram novo alento àqueles marinheiros abatidos. A 27 de Outubro, foram avistadas focas e baleias; a 1 de Novembro, algas "que nascem ao longo da costa", e por fim, a 4 de Novembro, distinguia-se a costa ocidental de África.
Quatro dias mais tarde, a armada lançara ferro nas águas abrigadas da baía de Santa Helena, cerca de 125 milhas a Norte do Cabo da Boa Esperança.

Aí, os Portugueses contactaram pela primeira vez com os indígenas Sul-africanos. De acordo com o único relato existente de uma testemunha ocular (um diário escrito provavelmente por um soldado, Álvaro Velho), um grupo desembarcou, capturou um nativo e trouxe-o para bordo do navio de Vasco da Gama, " o qual o pôs consigo à mesa e de tudo o que nós comíamos comia ele".  " E ao outro dia" prossegue o narrador, " o capitão o vestiu bem e o mandou pôr em terra".

baía de Stª Helena, África do Sul, local do desembarque da guarnição da frota de Vasco da Gama a caminho da Índia

A  história não regista como reagiram os companheiros daquele hotentote quando este se lhes juntou, vestindo um gibão e uns calções portugueses. A oferta deste vestuário parece ter vencido qualquer timidez, e em breve grupos de hotentotes se aventuraram até à praia, onde três dias seguidos negociaram com os marinheiros . A certa altura, porém surgiu uma disputa quando um dos marinheiros ofendeu de qualquer modo alguns africanos que o tinham convidado para comer com eles, e vários portugueses, incluindo Vasco da Gama, ficaram feridos por lanças que os indígenas, enfurecidos, lhes atiraram. 
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Este incidente revelar-se ia profético. O bom acolhimento inicial seguido por hostilidade seria uma constante que marcaria quase todas as etapas da viagem de Vasco da Gama para a Índia.
Depois de oito dias a limpar os navios, a remendar as velas e a recolher lenha, a frota zarpou da baía de Santa Helena e dirigiu-se para o cabo da Boa Esperança. 
A 18 de Novembro, os navegantes avistaram o monte Mesa e a península do Cabo. Mas no enorme promontório o tempo estava tempestuoso, pelo que só ao fim de quatro dias foi possível dobrar o cabo, a 22 de Novembro.
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 baía de Mossel

A 25 de Novembro, Vasco da Gama fundeou na angra de São Brás, actual baía de Mossel, cerca de 300 milhas a leste do cabo, para se reabastecer de água potável e levantar o primeiro padrão. Retirou também as provisões que restavam do navio de mantimentos e destruiu-o. Ali permaneceram os permaneceram os portugueses até 8 de Dezembro, abastecendo-se, calmamente, de água. No entanto, pouco antes de largarem, viram um grupo de nativos enfurecidos deitar abaixo o padrão que Vasco da Gama erigida na praia.
Kwaaihoek vista para Oeste 

Kwaaihoek vista para Este

Prosseguindo para leste ao longo do extremo sul de África, a expedição passou, a 16 de Dezembro, junto ao último padrão que Bartolomeu Dias erigira em 1488 e que agora surgia cinzento-dourado e altaneiro na escarpa arenosa do cabo Padrão. 
Heiskama rivers (rio Infante) 

Nesse mesmo dia passaram junto à foz do rio do Infante (Great Fish River), onde Bartolomeu resolvera voltar para trás. Daí em diante, a linha de costa bela e bem arborizada inflectia convidativamente para nordeste.
No dia de Natal, o cronista de Vasco da Gama escreveu com satisfação no seu diário: “tínhamos descoberto por costa 70 léguas – cerca de 400 Km – a que Vasco da Gama deu o nome de Natal em honra do nascimento de Cristo”. Porém, em breve as reservas de água encontravam-se tão escassas que os alimentos tinham de ser cozinhados em água salgada e a ração de água diária para cada homem foi reduzida para menos de meio litro. 

Navegando em busca de um porto onde pudessem renovar a provisão de água doce e proceder a reparações, fundearam junto à baía de Alagoa, no limite meridional do actual país Moçambique, nos princípios de Janeiro, e aí permaneceram cinco dias. Desta vez, e excepcionalmente, as relações entre Vasco da Gama e os nativos mantiveram-se cordiais durante toda a visita. Impressionado pela cortesia dos seus anfitriões, negros de estatura elevada, deu a esta região o nome de Terra de Boa Gente.


A 25 de Janeiro, lançaram ferro no amplo porto junta da actual cidade de Quelimane, já bem para o Norte na costa de Moçambique. Aí demoraram-se um mês, fazendo provisão de água, limpando os cascos dos navios e consertando um mastro partido
cidade de Quelimane

Embora as margens do rio que desembocava na baía apresentassem “grandes arvoredos, os quais dão muitas frutas, de muitas maneiras, e os homens desta terra comem delas, não parece que os portugueses tenham aproveitado este suprimento natural de vitamina C, pois, em breve, numerosos tripulantes sofriam de escorbuto. Camões descreve com realismo os terríveis efeitos deste mal:
Que tão disformemente ali lhe incharam
As gingivas na boca, que crescia
a carne e juntamente apodrecia

O escorbuto seria o flagelo dos marinheiros de longo curso durante, pelo menos, os dois séculos seguintes.
Durante a sua estadia em Quelimane, Vasco da Gama sentiu-se encorajado pelos indícios de que alcançara a periferia do domínio comercial árabe. 

Com efeito, alguns nativos, em vez de andarem nus ou de se cobrirem com peles de animais, usavam tecido de algodão. Dois negros, evidentemente de origem muçulmana, que usavam barretes, um “com uns vivos lavrados de seda; e outro de cetim verde”, aproximaram-se dos portugueses oferecendo tecidos para troca. Mais interessante ainda foi o que ouviram a um rapaz que acompanhava aqueles negros e que “era de outra terra daí longe; e dizia que já vira navios grandes, como aqueles que nós levávamos”. Vasco da Gama, compreendeu que o rapaz estaria com certeza a referir-se aos navios mercantes árabes. Animado por estes indícios de que se aproximava do seu destino, Vasco da Gama chamou ao rio que desagua no porto de Quelimane, rio dos Bons Sinais.
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A 24 de Fevereiro, a armada prosseguiu ao longo da costa, de aspecto cada vez mais tropical. Seis dias mais tarde, já a meio caminho da costa oriental de África, os portugueses avistaram uma baía que a ilha de Moçambique dominava. Apercebiam-se agora claramente de que se encontravam em águas percorridas pelos navios árabes. 

Na realidade, naquela ilha, em vez de uma aldeia de guardadores de gado e de camponeses, deparou-se-lhes uma cidade plena de actividade e repleta de prósperos mercadores negros, vestindo túnicas de algodão e linho com riscas multi-cores e com barretes de seda bordados a ouro. No porto encontravam-se vários navios costeiros árabes, de grandes dimensões, proas erguidas, tabuado liso e velame latino.
  ilha de Moçambique

Em breve, os portugueses descobriam que aqueles navios estavam carregados de “ouro, prata, e cravo, e pimenta, e anéis de prata com muitas pérolas, e aldôfar  e rubis”. Para grande satisfação dos crédulos europeus, os africanos informaram-nos de que na Índia todos estes artigos eram tão abundantes que não havia necessidade de os comprar, pois podiam ser apanhados em cestos…

Daí a pouco, o sultão de Moçambique visitava a “São Gabriel”, onde Vasco da Gama o obsequiou com um repasto abundante e lhe ofereceu chapéus, vestes, corais e outros presentes; mas, segundo escreve o cronista de Vasco da Gama, o poderoso sultão era “tão alterado que desprezava quanto lhe davam”. Mais tarde, ao descobrir que os seus visitantes não pertenciam a qualquer estranha seita de muçulmanos mas eram cristãos, a sua recepção, inicialmente fria, tornou-se decididamente glacial. Não obstante, esta reunião não redundou num fracasso completo, pois antes de largar de Moçambique, Vasco da Gama, conseguiu que o sultão lhe cedesse dois pilotos árabes para o troço final da viagem.
 fortaleza de S. Sebastião, na Ilha de Moçambique

Assim, a 11 de Março, Vasco da Gama levantou ferro e rumou a Norte. Porém, a força das correntes em breve arrastava os seus navios de regresso a Moçambique, onde foi obrigado a permanecer duas semanas aguardando ventos favoráveis. Entretanto, a hostilidade declarou-se abertamente – mais uma vez por motivo de abastecimento de água potável para os navios – e os portugueses bombardearam a cidade antes de se fazerem ao largo, a 29 de Março.
Mombaça

Navegando agora com o auxílio dos pilotos árabes, a frota chegou a 7 de Abril a Mombaça, na costa do Quénia, e ancorou ao largo, pois Vasco da Gama, receoso de uma cilada, hesitava em levar a sua armada para o porto. Os seus receios eram, com efeito, justificados. Nessa noite, um grupo de 100 homens armados tentou assaltar os navios para averiguar se seria fácil capturá-los. 

Torturando alguns cativos, Vasco da Gama conseguiu saber que o rei tivera conhecimento do bombardeamento de Moçambique e estava ansioso por aliciar os portugueses a entrarem no porto para os capturar, em retaliação do ataque ao seu aliado.
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Embora no dia seguinte o rei de Mombaça tivesse enviado presentes – incluindo grandes quantidades de laranjas que rapidamente curaram os tripulantes vítimas de escorbuto – e Vasco da Gama, por sua vez, lhe tivesse oferecido um colar de coral, os portugueses mantiveram-se na sua recusa de entrar no porto. Apesar de uma segunda tentativa levada a cabo pelos muçulmanos na noite de 10 de Abril, no intuito de danificarem os navios, Vasco da Gama, numa atitude de provocação, permaneceu ainda dois dias ao largo do porto de, a 13 de Abril, zarpar de novo.
 chegada a Melinde

No dia seguinte, ao cair da tarde, a armada aportou a Melinde, a sua última escala em terras africanas. A cidade, com as suas casas caiadas de branco, cercadas de palmeiras e de searas, impressionou favoravelmente os portugueses. A visita de nove dias foi uma pausa agradável.

O sultão, afinal, era inimigo do sultão de Mombaça, e na sequência de uma troca de presentes, prometeu a Vasco da Gama um outro piloto e tudo o que ele necessitasse. Seguiu-se um encontro nas águas do porto, o rei a bordo de um navio costeiro de um mastro e Vasco da Gama num escaler especialmente engalanado para o efeito. O aspecto do sultão era imponente. Sentado numa cadeira de bronze almofadada sob um guarda-sol escarlate, usava “uma opa de damasco forrado de cetim verde” e um turbante ricamente bordado. 

Acompanhavam-no um pajem e músicos que tocavam pequenas trombetas e “duas buzinas de marfim da altura de um homem, e eram muito lavradas e tangiam por um buraco que têm no meio, as quais buzinas concertam com os anafis no tanger”. O encontro prolongou-se por três horas e, não obstante a evidente boa vontade do rei, o capitão-mor, desconfiado, recusou-se a desembarcar. No entanto, o rei divertiu a tripulação com uma exibição de arte de cavalgar que se desenrolou na praia.
 Melinde

Os portugueses, contudo, estavam mais interessados noutros visitantes estrangeiros que encontraram no porto: quatro navios tripulados por mercadores indianos procedentes da Índia. Ao longo da costa, a sua curiosidade fora aguçada por histórias de terras cristãs no interior de África e a certa altura tinham mesmo tido esperança de descobrir o reino do Preste João, um lendário potentado cristão que se dizia viver algures na África Oriental (existia, na realidade, um reino cristão na Etiópia). 
 pilar dedicado a Vasco da Gama em Lelinde - Quénia

Assim, quando, por engano, os indianos se inclinaram e rezaram perante um altar cristão que existia num dos navios portugueses e saudaram Vasco da Gama com gritos de “Krishna” – que aos portugueses teria soado algo parecido com a palavra “Cristo” - estes concluíram com optimismo que os visitantes eram realmente cristãos como eles. Por sua vez, os indianos parecem ter pensado que os portugueses eram hindus. Com o assentimento do sultão, uma noite organizaram uma festa com salvas de canhões e um espectáculo de fogo-de-artifício para distrair a tripulação.

A sucessão constante de festejos, combates simulados e exibições musicais em terra agradava à tripulação, mas Vasco da Gama começava a impacientar-se. O sultão parecia não se apressar em lhes dar o piloto que lhes prometera. Com a sua brusquidão característica, Vasco da Gama tomou medidas drásticas. A 22 de Abril, aprisionou um criado da corte e manteve-o como refém. O sultão reagiu de imediato, enviando-lhe um piloto experiente, cuja presença a bordo da “São Gabriel” assegurava praticamente o êxito da parte final da missão de Vasco da Gama. Finalmente, após quase dez meses de viagem, os portugueses podiam agora descansar entregues às mãos experimentadas daquele piloto.

Largando de Melinde a 24 de Abril, a frota aproveitou a monção de sudoeste, que, nos meses de Primavera e de Verão, sopra com regularidade no oceano Índico da África para a Índia; no Inverno, estes ventos sopram em sentido inverso, o que permitia o vaivém dos navios mercantes árabes que cruzavam o oceano Índico. Impelidos por aquela viração suave, os navios completaram a última etapa da viagem – numa distância de quase 2.500 milhas – em menos de um mês. Por fim, a 18 de Maio de 1498, os marinheiros postados no alto das mastros descobriram terra à proa e, nas palavras de Camões:
Disse alegre o piloto Melindano:

Terra é de Calecu, se não me engano;

Calecute, a actual Kozhikode, era naquela época o mais rico e poderoso dos portos que se alinhavam ao longo da luxuriante costa do Malabar, próximo do extremo Sul da Índia.
Os seus grandes armazéns e inúmeras lojas estavam a abarrotar de todas aquelas mercadorias exóticas por que os portugueses ansiavam: sedas e porcelanas finas; pérolas, safiras e rubis; ouro e prata, e grandes sacos cheios de cravinho, noz-moscada, canela, pimenta, gengibre e outras especiarias aromáticas.

E foi neste mercado da Ásia, velho de séculos, que penetrou o primeiro emissário de Vasco da Gama, um dos condenados que viera na frota para o desempenho de missões arriscadas. Tendo-se cruzado com dois mercadores árabes de Tunes que falavam o castelhano, ficou admirado por o saudarem com as palavras: “Ao diabo que te dou! Quem os trouxe cá?”. “Viemos”, explicou o condenado, “em busca de cristãos e de especiarias”. Em seguida, depois de uma pequena volta pela cidade, os árabes, lavaram-no para casa, onde o receberam com grande hospitalidade e lhe ofereceram alimentos antes de regressarem com ele ao navio. Aí, um deles exclamou: “Buena ventura, buena ventura; muitos rubis, muitas esmeraldas. Muitas graças deveis de dar a Deus, por vos trazer à terra onde há tanta riqueza”.

Surpreendido e encantado, Vasco da Gama enviou uma mensagem ao samorim, ou rei, de Calecute, anunciando-lhe ser embaixador do rei de Portugal e portador de cartas para apresentar. Alguns dias depois, recebeu notícia de que o samorim lhe concedia uma audiência. Cercado por treze guarda-costas que envergaram as suas melhores roupas e transportavam bandeiras e trombetas, o capitão-mor instalou-se com imponência num palanquim que fora posto à sua disposição.

Avançando em direcção a Calecute, os portugueses causaram grande sensação. “E fomos o nosso caminho, onde a gente era tanta, que nos vinha a ver, que não tinha conto”, escreveu o cronista de Vasco da Gama. Porém, antes de alcançarem o palácio do samorim, os portugueses foram conduzidos a um templo hindu da “grandura de um mosteiro”, onde mais uma vez se verificou um equívoco no que respeita a religião. 

A “igreja” estava ornamentada com figuras que os exploradores tomaram por santos, que “estavam pintados pelas paredes da igreja, os quais tinham diademas; e a sua pintura era em diversas maneiras, porque os dentes eram tão grandes que saíam da boca uma polegada, e cada santo tinha quatro ou cinco braços”. No centro do templo, via-se um santuário com a imagem de uma deusa-mãe hindu. Julgando que a imagem representava a Virgem Maria, Vasco da Gama levou seus homens a rezarem diante dela, o que muito agradou aos sacerdotes hindus que se encontravam presentes.

Subindo de novo para o palanquim, Vasco da Gama prosseguiu ao som dos tambores e das flautas hindus “e assim levaram o capitão com muito acatamento, escreveu o cronista, “tanto e mais do que se podia em Espanha fazer a um rei”. Por esta altura, já a multidão era tão grande que alguns espectadores até subiam aos telhados para ver os estrangeiros. Por fim, estes chegaram ao palácio. Entrando por um portão, atravessaram um amplo pátio e seguiram de sala em sala até que, num pequeno pátio interior, se lhes deparou o samorim com uma taça dourada na mão, recostado entre almofadas num leito de veludo sob um dossel dourado.

Vasco da Gama saudou delicadamente o rei, que por sua vez ofereceu aos visitantes algumas frutas exóticas, incluindo uma “que é como os figos e sabe muito bem” – era uma banana. Após esta troca de cumprimentos, Vasco da Gama proferiu um discurso em termos grandiosos. Disse representar um rei cuja riqueza excedia tudo o que existia naquela região do Mundo; que desde há 60 anos que Portugal vinha procurando um caminho marítimo para a Índia; que lhe fora ordenada a descoberta de Calecute e que o rei D. Manuel desejava ser amigo e irmão do samorim. Este replicou dando as boas-vindas a Vasco da Gama e assegurando-lhe que enviaria embaixadores a Portugal. O encontro durou quatro horas, e terminou num clima de amizade mútua.

Contudo, após início tão promissor, as relações entre o Oriente e o Ocidente em breve se deterioraram. Na realidade, os presentes que D. Manuel confiara a Vasco da Gama não eram dignos de um samorim. As ofertas – doze peças de tecido de algodão às riscas, quatro gorros escarlates, seis chapéus, quatro colares de coral, seis bacias, uma arca de açúcar, duas barricas de azeite e duas barricas de mel – foram recebidas com risos incrédulos pelos representantes do rei. Na audiência seguinte, Vasco da Gama foi forçado a esperar algumas horas à entrada do palácio. Quando por fim o conduziram à presença do samorim, este observou com sarcasmo “que lhe dissera como era de um reino muito rico e que lhe não trouxera nada”. Vasco da Gama protestou afirmando que era um embaixador, e não um comerciante, e que em futuras missões portuguesas viriam inúmeros presentes sumptuosos.

Ao terem disto conhecimento, os mercadores árabes de Calecute lançaram-se numa campanha desesperada contra a concorrência dos cristãos. Os mouros “diziam a el-rei como nós éramos ladrões”, prevenindo-o, e ameaçaram nunca mais regressar a Celecute se o samorim estabelecesse relações comerciais com os portugueses. E acrescentaram que Portugal nada tinha que valesse a pena negociar.

Mas o samorim compreendeu sem dúvida que se encontrava numa posição de vantagem. Se se estabelecesse a concordância entre portugueses e Árabes no tocante às mercadorias do seu reino, as suas receitas provenientes do comércio seriam mais elevadas do que nunca. Assim, acabou por ceder. Prometeu erguer um padrão português em Calecute para comemorar aquela visita histórica e em seguida ditou uma carta para o rei D. Manuel, propondo-lhe o comércio directo com Portugal.

Além disso, o samorim autorizou Vasco da Gama a adquirir uma pequena quantidade de canela e de pimenta. Embora o total fosse de pouca monta, o preço da pimenta aumentara de tal forma na Europa que ali a mercadoria poderia ser vendida por vinte e sete vezes o seu custo na Índia.

E assim, a 29 de Agosto, segundo o cronista de Vasco da Gama, os capitães concluíram que, “visto que já tínhamos achado e descoberto o que vínhamos buscar, nos podíamos partir e logo fizemos as velas e nos partimos a caminho de Portugal, vindo todos muito ledos, por sermos tão bem aventurados de acharmos uma tão grande coisa como tínhamos achado”.

A travessia do oceano Índico foi quase desastrosa. Os mantimentos eram poucos. Não havia pilotos nativos que guiassem os navegantes, E a época não era a mais conveniente para a viagem: em vez dos ventos constantes que os levariam directamente a África, os portugueses tiveram de arrostar com grandes temporais alternando com calmarias enervantes. Só a 2 de Janeiro de 1499 avistariam a costa de África. Por essa altura, já o escorbuto dizimara grande parte da tripulação. Durante a longa travessia do mar da Arábia, morreram 30 marinheiros e os restantes encontravam-se em tal estado de fraqueza que mal podiam cumprir as suas obrigações de tripulantes.

Cinco dias mais tarde, os tripulantes da pequena frota eram acolhidos em Melinde, onde o rei lhes forneceu laranjas e carne fresca para os doentes de escorbuto. No entanto, para grande número de vítimas dessa doença o remédio viera demasiado tarde e mais homens morreram ainda. Nota: no final da viagem, a tripulação encontrava-se quase reduzida a metade. Alguns dias depois, foi com pesar que Vasco da Gama lançou fogo `”São Rafael”, “porquanto era impossível navegarem três navios com tão pouca gente como éramos”.
Prosseguindo para Sul ao longo da costa de África, os dois navios que ainda restavam foram parando aqui e ali para se abastecerem de alimentos frescos, e a pouco e pouco a maior parte da tripulação restabeleceu-se. Com efeito, quando a 20 de Março dobraram o cabo da Boa Esperança, “esses que até aqui chegámos éramos de saúde e rijos e, às vezes, bem mortos do frio das grandes brisas que aqui achámos nesta terra”.
Paulo da Gama, contudo, não se achava bem e, quando os navios chegaram às ilhas de Cabo Verde, adoeceu gravemente. Vasco, irmão dedicado, fretou uma caravela que os levasse a Lisboa, pois assim a viagem seria mais rápida do que continuando a bordo da “São Gabriel”. Durante a viagem, tornou-se evidente que o estado de Paulo era demasiadamente grave para poder viajar; por este motivo, Vasco da Gama decidiu arribar aos Açores, onde Paulo viria a falecer no dia seguinte.

No dia 10 de Julho de 1499, exactamente dois anos e dois dias após o início da expedição, a “Bérrio” lançava ferro no porto de Lisboa e Nicolau Coelho, triunfante, anunciava ao rei o seu regresso. Seguiu-se-lhe a “São Gabriel” em meados de Agosto, e algumas semanas mais tarde o próprio Vasco da Gama chegava a Portugal.

Imediatamente aclamado como herói nacional, Vasco da Gama teve um acolhimento entusiástico. Com consumada perícia e obstinada determinação, provara, sem margem para dúvidas, que existia um caminho marítimo para a Índia - e que Portugal dispunha de navios e de homens à altura dos riscos da viagem. Tendo por capital comercial e administrativa a cidade de Goa, na Índia, o Império de Portugal no Oriente, em breve se tornava num motivo de orgulho nacional. Por outro lado, seguindo uma política de sigilo no tocante ao comércio e à navegação, Portugal evitava a divulgação de registos importantes, de cartas e de instruções de navegação, com receio de que os seus rivais europeus tentassem seguir a rota de Vasco da Gama.
Depois de meio século de viagens de reconhecimento ao longo da costa de África, os Portugueses chegam por fim ao Oriente, numa significativa viagem de 13000 milhas de Lisboa à costa do Malabar. O êxito desta arrojada missão de dois anos põe termo ao monopólio árabe do lucrativo comércio de especiarias e instaura o poder europeu no Extremo Oriente, que se manteria por quatro séculos.

Pouco se conhece acerca dos primeiros anos de vida de Vasco da Gama, após o seu nascimento em Sines, em 1460. O seu pai fora escolhido pelo rei D. João II para comandar uma expedição à Índia, passando pelo Cabo da Boa Esperança, mas ambos morreriam antes que pudessem concretizar os seus planos. O novo rei, D. Manuel I, encarregou Vasco da Gama de empresa semelhante, pelo que uma frota composta por quatro navios largou de Portugal a 8 de Julho de 1497. A 20 de Maio de 1498, Vasco da Gama chegava a Calecute (hoje Kozhikode), na costa do Malabar, na Índia. Aí contactou com o soberano local, adquiriu uma quantidade razoável de especiarias e regressou a Lisboa como um herói. Vasco da Gama voltou à Índia duas vezes, a última das quais, em 1524, como vice-rei. Morreu nesse mesmo ano em Cochim. Ainda hoje, em Portugal, é considerado um herói nacional.

A missiva que o rei D. Manuel I recebeu em Julho de 1499 dizia sem mais preâmbulos “Vasco da Gama, fidalgo da vossa casa, veio à minha terra, com o que eu folguei. Em minha terra há muita canela, e muito cravo, e gengibre, e pimenta e muitas pedras preciosas. E o que eu quero da tua é ouro, e prata, e coral e escarlata.”

Esta breve mensagem, escrita numa folha de palmeira, fora ditada pelo samorim de Calecute, cidade da Costa Ocidental da Índia, distando de Lisboa mais de 13000 milhas por mar. Oferecia a primeira oportunidade de estabelecer o comércio directo entre o Oriente e o Ocidente.
Esta notícia entusiasmou D. Manuel. Desde 1493 que a Espanha se vangloriava das cartas de Cristóvão Colombo. Mas este, depois de três viagens ao que pensava serem as Índias, não encontrava especiarias, mas apenas quantidades mínimas de ouro. Agora os navios portugueses tinham descoberto um caminho marítimo directo para a verdadeira Índia, e como prova haviam regressado com amostras de especiarias e de pedras preciosas de toda a espécie.

D. Manuel, jubiloso, apressou-se a comunicar estas boas novas a Fernando e Isabel de Espanha: “Mui altos e excelentes Príncipes, e muito poderosos Senhores!

Sabem Vossas Altezas como tínhamos mandado a descobrir Vasco da Gama, fidalgo da nossa casa, e com ele Paulo da Gama, seu irmão, com quatro navios pelo oceano; os quais agora já passava de dous anos que eram partidos…Por um dos capitães que a nós a esta cidade ora é chegado, houvemos: que acharam e descobriram a Índia e outros reinos…acharam grandes cidades…nas quais se faz todo o trato de especiaria e de pedraria…”

Tal como D. Manuel esperava, a notícia espalhou-se pela Europa com a velocidade de um relâmpago. Como dizia um comerciante florentino que vivia em Lisboa, numa carta a um amigo em Itália: “…parece ter sido agora descoberta toda a riqueza do Mundo”.

No decurso dos 150 anos anteriores, todas as mercadorias provenientes do Oriente e destinadas a ser vendidas na Europa eram transportadas através do mar da Arábia por indianos, árabes ou persas. Trazidas por mar desde a Índia, até ao Golfo Pérsico e até ao Mar Vermelho, seguiam depois em caravanas até Alexandria e outros portos do Mediterrâneo Oriental. Aí, eram compradas por mercadores venezianos e genoveses para serem vendidas por toda a Europa. Agora, Portugal descobrira uma rota quer lhe permitia dispensar todos os intermediários e adquirir as pedras preciosas e as especiarias directamente na sua origem.

Portugal não o conseguira, porém, com uma viagem apenas. Havia quase um século que os seus navios avançavam cada vez mais para sul, ao longo da desconhecida costa ocidental de África, em busca do extremo sul deste continente. Em 1488, Bartolomeu Dias encontra-o finalmente mas, depois de dobrar o cabo da Boa Esperança, acedera às exigências da sua tripulação assustada e regressara.

Este sinal de fraqueza poderá ter levado o rei a ignorar o experiente Bartolomeu Dias e a escolher Vasco da Gama para comandar a nova expedição que iria contornar África, subir a sua costa oriental e aventurar-se em seguida no desconhecido Oceano Índico ao rumar ao portos buliçosos do Oriente. Embora pouco se conheça acerca dos primeiros anos da carreira de Vasco da Gama, era por certo um chefe resoluto e um marinheiro experiente. Todas as narrativas da época o descrevem como um homem duro, autoritário e “terrivelmente violento quando encolerizado”.

A frota que Vasco da Gama chefiou era a maior e mais bem organizada das expedições portuguesas de exploração marítima. Duas das quatro naus haviam sido construídas especialmente para esta missão, sob as ordens do experiente Bartolomeu Dias. Estavam armadas com canhões e aparelhadas com as mais modernas cartas náuticas e instrumentos de navegação existentes à data. A S. Gabriel, sob o comando de Gonçalo Álvares, era a nau capitania de Vasco da Gama. Paulo da Gama, seu irmão, comandava a S. Rafael, e Nicolau Coelho, a Bérrio. O quarto navio, destinado ao transporte dos mantimentos, seguia sob o comando de Gonçalo Nunes, que, uma vez esgotadas as provisões, teria a triste missão de afundá-lo.

Contudo, vendo carregar esta nau, ninguém acreditaria que alguma vez chegasse o momento de a afundar. Pela prancha de embarque entraram barrica após barrica de vinho e de água, tonelada após tonelada de alimentos, como bolachas, peixe seco e carnes salgadas, de porco e de vaca; e até mesmo algumas iguarias, como mel, açúcar, alho, ameixas e amêndoas.

Enquanto se carregava o navio das provisões, Vasco da Gama ocupava-se em recrutar marinheiros. Calcula-se que as tripulações somariam um total de 118 a 170 homens, incluindo alguns veteranos da viagem de Bartolomeu Dias. Além dos marinheiros, soldados, carpinteiros e cordoeiros habituais, levavam ainda sacerdotes, intérpretes e até mesmo corneteiros. Iam também alguns degredados e condenados à morte, que seriam incumbidos de missões particularmente arriscadas em terra. Se fossem bem sucedidos, ser-lhes-ia concedido o perdão no seu regresso a Portugal.
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A Viagem de regresso da Índia

A Viagem de regresso da Índia da armada de Vasco da Gama constituiu um verdadeiro calvário. Tendo largado de Angediva a 5 de Outubro de 1498, só conseguiu alcançar a costa africana, nas proximidades de Mogadisco, três meses mais tarde a 3 de Janeiro de 1499, do que resultou perder muita gente afectadas pelo escorbuto.
Dizem os cronistas que ao reconhecer que se tratava de uma cidade de «Mouros» (Muçulmanos), Vasco da Gama, que vinha irritadíssimo com a forma como aqueles tinham intrigado contra si na Índia, deu ordem para a bombardear, avariando alguns navios que estavam no porto.
Mogadisco era uma cidade grande e rica pelo que somos levados a supor que o respectivo sultão, justamente indignado com o procedimento dos portugueses, tenha mandado imediatamente equipar uma armada de oito navios (provavelmente «dhows») para os perseguirem. Ia a nossa armada navegando com o vento fresco pela alheta de EB provavelmente a uma velocidade muito próxima dos oito nós (oito milhas marítimas por hora) quando, ao largo da ilha de Pate, rebentaram uma ou duas ostagas da "São Gabriel" (as ostagas são os cabos que servem para içar as pesadas vergas transversais onde envergam as velas de gávea).
 Para reparar a avaria foi necessário carregar o pano, ficando a armada a pairar durante algumas horas. 
Foi então que os navios que, em nossa opinião terão saído de Mogadisco (e não de Pate) os alcançaram. 
Vendo aproximar-se um grupo compacto de oito «dhows» carregados de gente de armas vindos do Norte, os Portugueses perceberam imediatamente do que se tratava, pondo-se em armas. E logo que aqueles chegaram ao alcance de tiro das bombardas, abriram fogo. 
Não se sabe se algum dos navios atacantes foi ou não atingido. Tal como acontecera em Angediva, a potência dos canhões de bronze usados pelos nossos navios, ainda desconhecidos no oceano Índico, devem ter assustado de tal forma os «Mouros» que, acto contínuo, bateram em retirada. E assim pôde a armada de Vasco da Gama, prosseguir a sua viagem de regresso a Portugal.

Regresso da Índia de Vasco da Gama
Fonte:

A entrada de Vasco da Gama em Lisboa, no regresso da sua viagem à Índia, ocorreu em circunstâncias invulgares. Seria de esperar que fosse o primeiro a desembarcar, para dar conta ao rei dos sucessos da sua jornada, mas o que ocorreu foi exactamente o contrário: foi o último a chegar, provavelmente apenas a 18 de Setembro de 1499.
A viagem de regresso da armada foi lenta e penosa, devido à morte de dezenas de marinheiros, causada pelo escorbuto, e por diversas dificuldades encontradas ao longo do percurso. Uma das naus foi abandonada na costa oriental africana.
Em Cabo Verde, a restante armada dividiu-se: a nau Bérrio, comandada por Nicolau Coelho, foi a primeira a chegar a Lisboa, em Julho; a São Gabriel chegou no mês seguinte.
Quanto a Vasco da Gama, embarcou numa caravela em companhia do seu irmão, Paulo da Gama, mas este encontrava-se doente e acabou por falecer na ilha Terceira, onde a embarcação fez escala. Os motivos que levaram Vasco da Gama a atrasar a sua entrada na capital foram, portanto, pessoais.

Qual foi a reacção do rei às notícias da viagem? 
Foi Nicolau Coelho, que chegou a Lisboa em Julho, quem primeiro terá reportado a D. Manuel os eventos da expedição. A reacção do rei e dos seus colaboradores mais próximos foi entusiástica e triunfante, porque a viagem de Vasco da Gama abria perspectivas ilimitadas de sucesso na Ásia, não apenas do ponto de vista económico mas também geopolítico.
Uma vez que D. Manuel estava convencido de que a Índia era povoada de cristãos, era agora possível fazer uma aliança contra o mundo muçulmano. O rei escreveu de imediato a Isabel de Castela e Fernando de Aragão, em tom optimista, a relatar o sucedido e a mencionar as imensas riquezas asiáticas agora ao seu alcance.
Adoptou imediatamente o título de “senhor da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia” e preparou uma nova armada com destino à Índia, que veio a partir no ano seguinte e que seria capitaneada por Pedro Álvares Cabral.

E o que sucedeu a Vasco da Gama após o seu regresso? 
Vasco da Gama foi largamente recompensado pelo sucesso da sua viagem à Índia. Recebeu a sua primeira honra em Dezembro de 1499, com a concessão, a título hereditário, da vila de Sines e de todos os seus rendimentos.
Foi-lhe igualmente concedido o título de “Dom” e de “almirante da Índia” e passou a usufruir do direito de integrar o Conselho do Rei, além de receber uma renda anual. Em 1502 recebeu o comando da armada anual que passou a sair regularmente de Lisboa com destino à Índia, onde permaneceu durante um ano.
Durante as duas décadas seguintes, a figura de Vasco da Gama eclipsou-se e não desempenhou nenhum cargo ou função relevante. A explicação para este período de penumbra é ainda hoje motivo de discussão entre os historiadores.
Finalmente, em 1519 recebeu o título de Conde da Vidigueira e cinco anos mais tarde, já no reinado de D. João III, Vasco da Gama regressou à Índia, desta vez como vice-rei. Veio a falecer em Cochim, vitimado pela malária, em Dezembro de 1524.




Fonte: Lusitanian Express de Luís D. Lopes, Cabo das Tormentas
http://cabodastormentas1488.blogs.sapo.pt/1-vasco-da-gama-na-baia-de-santa-9311

Eis o trabalho do Sr. Luís D. Lopes: 


Em 1488, Bartolomeu Dias, num extraordinário feito náutico, dobra pela primeira vez a extremidade Sul do continente africano. Quase dez anos mais tarde, em 1497, Vasco da Gama, comandante da primeira armada com destino à  Índia, fundeia a sua frota na Baía de Santa Helena, cerca de dois graus (120 milhas náuticas, aproximadamente 222 quilómetros) para Norte do Cabo da Boa Esperança, na costa atlântica de África. Esta situação é no mínimo surpreendente, as intenções iniciais de Vasco da Gama passariam seguramente por passar a Sul do Cabo da Boa Esperança, na conclusão da longa viagem que tinha acabado de efectuar no Atlântico Sul, navegando seguidamente para Norte, à procura de terra, já na costa oriental do continente africano, para reabastecimentos e reparações, tal como Bartolomeu Dias tinha feito.
(foto tirada pelo autor, em Agosto de 1978, monumento a Bartolomeu Dias, Cidade do Cabo, África do Sul)

Para os marinheiros portugueses da armada de Vasco da Gama, a surpresa deverá ter sido enorme ao verem surgir nas proas dos seus navios uma baía desconhecida(*) situada numa costa que se prolongava para Sul, ou seja, ainda não tinham dobrado o Cabo da Boa Esperança. Face a esta situação, podemos suspeitar de um eventual erro de navegação, que se teria manifestado de forma inesperada e que tentaremos abordar num futuro texto.
(*) - na realidade não era desconhecida para Pêro de Alenquer, piloto português da nau S. Gabriel da Armada de Vasco da Gama.
A técnica de navegação utilizada por Vasco da Gama e pelos seus Capitães e Pilotos, assentava fundamentalmente na estima construída através da conjugação da velocidade estimada do seu navio com os rumos navegados e o eventual conhecimento de ventos e correntes marítimas dominantes. Periodicamente, sempre que as condições atmosféricas o permitiam, a latitude era calculada com a observação da altura do Sol na passagem deste pelo meridiano do lugar (o chamado “meio-dia”). A utilização da Estrela Polar era muito mais limitada e apenas possível no hemisfério norte.
A obtenção da latitude através da altura meridiana do Sol funcionava como um factor de correcção da navegação estimada. Considerando as difíceis condições de leitura (balanço do navio, visibilidade, qualidade dos instrumentos utilizados, etc.) que se colocavam ao observador, o grau de rigor das leituras efectuadas a navegar deveria ser, no mínimo, muito duvidoso. No entanto, e existem imensos testemunhos nesse sentido, as latitudes obtidas em terra eram quase sempre excelentes.
Retomando a viagem de Vasco da Gama, a latitude do Cabo da Boa Esperança era conhecida, Bartolomeu Dias tinha-a calculado. Ao aventurar-se pelo Atlântico Sul, é legítimo considerar que Vasco da Gama terá navegado para Sul (ao largo do então desconhecido Brasil) até alcançar essa latitude, não faz sentido a utilização de uma estratégia diferente desta, considerando a informação acumulada por Bartolomeu Dias.
Atingido esse objectivo, terá começado a navegar sistematicamente para Leste, estimando a sua longitude (distância ao Cabo da Boa Esperança) através da aplicação das já referidas técnicas de navegação estimada. A latitude a que se encontrava era calculada (avaliada será o termo mais correcto, considerando as condicionantes identificadas) sempre que era possível obter a altura do Sol durante a passagem deste pelo meridiano do lugar. Recorde-se, Vasco da Gama, neste trecho de viagem, queria apenas garantir que navegava na latitude correcta para passar a Sul do Cabo da Boa Esperança no sentido Oeste - Este.
Considerando as dificuldades enfrentadas por Bartolomeu Dias e a forma como este conseguiu dobrar o Cabo da Boa Esperança, Vasco da Gama decidiu replicar parte da estratégia utilizada por Bartolomeu Dias quando este dobrou o Cabo da Boa Esperança. Efectivamente, numa decisão mais ou menos afortunada mas que viria a tornar-se fundamental para a história dos Descobrimentos Portugueses, perante os forte ventos contrários e correntes marítimas de Sul que encontrou quando navegava ao longo da costa africana (não muito longe da Baía de Santa Helena), Bartolomeu Dias decidiu navegar para Oeste, penetrando de novo no Atlântico Sul até apanhar ventos favoráveis de Oeste que lhe permitiram retomar a navegação para Leste e dobrar o Cabo da Boa Esperança sem que o tivesse avistado.

Relacionado com o extraordinário feito de Bartolomeu Dias, vejamos este pequeno excerto do diário de bordo cuja autoria é atribuída a Álvaro Velho, tripulante da Armada de Vasco da Gama :

Pêro de Alenquer foi um excepcional piloto português do século XV tenho participado na viagem de Bartolomeu Dias e pilotado a nau S. Gabriel da Armada de Vasco da Gama. Segundo Álvaro Velho, durante a estadia na Baía de Santa Helena, Pêro de Alenquer estimava que a Armada se encontrava a não mais do que 30 léguas (aprox. 90 milhas marítimas, constituindo um tema de larga discussão, vamos considerar uma légua como igual a 3 milhas náuticas ) a rree (ré)/oeste do Cabo da Boa Esperança. Justificava Pêro de Alenquer que não podia afirmar nada de muito concreto, pelo facto de um dia (na viagem de regresso da frota de Bartolomeu Dias), ter largado do Cabo da Boa Esperança pela manhã e de ter passado por ali de noite e com vento de popa, isto após terem navegado pelo largo na viagem de ida (facto que já conhecemos).
- "um dia ter largado do Cabo da Boa Esperança pela manhã e de ter passado por ali de noite e com vento de popa..."
 Esta afirmação de Pêro de Alenquer, na nossa perspectiva não esclarece de forma clara e inequívoca se a referida noite foi a do dia de partida (largada do Cabo da Boa Esperança de manhã cedo, provavelmente) ou uma outra noite qualquer. Vamos assumir que efectivamente assim foi, largou do Cabo da Boa Esperança a bordo da S. Gabriel de manhã, tendo passado ao largo da Baía de Santa Helena na noite do mesmo dia.
A distância percorrida terá sido igual a cerca de 215 kms, ou 116 milhas náuticas, ou seja aproximadamente 39 léguas (imagem seguinte).

Apesar de ser um tema muito controverso, normalmente é considerado que a velocidade das naus só excepcionalmente alcançava os 4 ou 5 nós (4 ou 5 milhas marítimas por hora), pelo que o troço de viagem relatado por Pêro de Alenquer, sem o efeito de ventos e correntes marítimas muito pronunciadas, seria expectável que tivesse durado entre 33 horas (velocidade de 3 milhas por hora) e 23 horas (velocidade de 5 milhas por hora).
Considerando a hipótese extrema de Pêro de Alenquer ter largado do Cabo da Boa Esperança de madrugada e passado ao largo da Baía de Santa Helena na noite desse mesmo dia, em limite a viagem teria então durado cerca de 20/22 horas, obtendo-se uma velocidade (mínima) estimada de cerca de 6 nós, valor excepcional pois este valor é normalmente considerado como a velocidade máxima das naus da época, daqui se concluindo pela existência de ventos e correntes marítimas de feição muito pronunciadas, facto que a frota de Bartolomeu Dias tinha sentido, em sentido oposto, quando navegava para Sul ao longo da costa da hoje Namíbia.
- "Pero Dalanquer dizia que ao mais que podíamos ser seriam trinta léguas a rree do Cabo......."
Considerando que a armada de Vasco da Gama desde há largos dias que navegava sistematicamente para Leste, Pêro de Alenquer afirma que estavam a "rree" do Cabo não mais do que 30 léguas, ou seja a Oeste do Cabo.
No caso concreto, a distância entre latitudes era a seguinte:

A latitude do Cabo da Boa Esperança era conhecida (Pêro de Alenquer tinha lá estado com Bartolomeu Dias) e na Baía de Santa Helena seguramente que foram feitas diversas leituras da altura do Sol. Assim sendo, Pêro de Alenquer terá tido a hipótese de verificar que em latitude distava cerca de 195 kms (105 milhas náuticas) do Cabo da Boa Esperança, ou seja aproximadamente 35 léguas. A Armada encontrava-se bem mais a Norte do que o pretendido.
Ao estimar encontra-se a cerca de 30 léguas do a Oeste do Cabo, Pêro de Alenquer estava, em termos práticos, a resolver aritmeticamente o triângulo da figura seguinte:

Resolvendo o triângulo, obtêm-se um valor de cerca de 90 quilómetros, cerca de 16 léguas, daqui se concluíndo que o valor estimado por Pêro de Alenquer era excelente.

Regimento das Léguas

A estima da posição do navio era muito facilitada pela utilização do Regimento das Léguas, que foi uma adaptação portuguesa da famosa "Toleta de Marteloio"(*). O documento mais antigo que contém uma descrição do Regimento das Léguas, é o Manual de Munique, cuja componente náutica é atribuída a José Vizinho, cosmógrafo de D.João II.
O Regimento das Léguas consiste numa tábua (tabela) que resolve vários triângulos rectângulos em que um dos catetos tem 1ª grau de latitude/meridiano, na época 17,5 léguas.

A tábua tem o seguinte formato:
Na hipótese de Pêro de Alenquer ter utilizado o Regimento das Léguas, terá utilizado como argumentos de entrada um rumo situado entre NNW e NW (rumo aproximado da viagem/relevar entre o Cabo da Boa Esperança e passagem ao largo da Baía de Santa Helena), rumos que destacamos na tábua. Multiplicando por dois os valores obtidos, considerando dois graus de meridiano (diferença de latitudes entre o Cabo da Boa Esperança e a Baía de Santa Helena), terá concluído que estariam afastados do Cabo da Boa Esperança, para ré, entre 15  a 34 léguas.

"Pero Dalanquer dizia que ao mais que podíamos ser seriam trinta léguas a rree do Cabo......." 

(*) Toleta de Marteloio - Os navios à vela, enfrentam ventos que não são de feição e inconstantes, obrigando o navio a navegar por diversos rumos (bolinar) na procura do melhor rumo que permita a continuação da viagem. A Toleta de Marteloio, com origem mediterrânica e utilizada pelos portugueses no século XV, era constituída por um conjunto de tabelas que permitiam calcular o ponto estimado para um navio que tivesse navegado por diversos rumos durante uma singradura (normalmente um dia de navegação).

Hoje sabemos que Bartolomeu Dias e os seus Pilotos terão efectuado várias leituras da altura meridiana do Sol em diferentes pontos vizinhos do Cabo da Boa Esperança, tendo sido colocados, pelo menos, três padrões, um deles no próprio Cabo da Boa Esperança. Dessas leituras terá sido correctamente obtido o valor da latitude do Cabo, pelo que a dimensão do erro no valor da mesma, a existir, deveria ser insignificante para o rigor existente naquela época.

Durante o período de tempo passado na zona do Cabo da Boa Esperança, o percurso da armada de Bartolomeu Dias terá sido aproximadamente este:

A não detecção de um desvio (cerca de dois graus) tão acentuado no valor da latitude que conduziu a armada de Vasco da Gama para a Baía de Santa Helena, não nos parece que possa estar associada a uma deficiente utilização dos aparelhos de medição de altura do Sol (astrolábio, quadrante, balestilha) ou das respectivas tabelas (“Tábuas”) náuticas de então, mas sim a um somatório de situações que conduziram a este erro, nomeadamente o efeito sobre a navegação estimada da então desconhecida declinação magnética, tal como iremos ver num futuro texto.
Vasco da Gama e os seus pilotos, em condições normais de tempo e mar, teriam efectuado várias leituras da altura meridiana do Sol ao longo da fase crucial da sua viagem, quando a Armada navegava para Leste em pleno Atlântico Sul, qualquer erro grosseiro na leitura da altura do Sol seria corrigido com as leituras efectuadas nos dias seguintes, pelo que deve ser considerada a hipótese de que durante os dias de navegação sistemática para Leste que antecederam a chegada à extremidade Sul do continente africano, dadas as condições atmosféricas, não tenha sido possível efectuar a leitura da altura do Sol da melhor forma possível, tendo os navios da Armada abatido significativamente para Norte (rota nº 1 na figura seguinte).
Outro factor muito importante que deve ser considerado é que o valor da longitude do Cabo da Boa Esperança resultava exclusivamente do valor estimado por Bartolomeu Dias e pelos seus pilotos. Navegando na latitude correcta, existe assim uma outra hipótese para justificar a chegada à Baía de Santa Helenae que consiste na possibilidade de Vasco da Gama ter concluído que já tinha ultrapassado a longitude do Cabo da Boa Esperança, tendo então começado a navegar deliberadamente para Norte (rota nº 2 na figura seguinte).

A própria designação do vizinho Cabo das Agulhas poderá estar indirectamente associada a esta eventual decisão de Vasco da Gama de rumar para Norte, permitindo especular sobre um eventual conhecimento muito incipiente do comportamento das agulhas magnéticas naquela zona do Continente Africano (naquele local e naquela época, a declinação magnética era nula).
São todas estas questões e todas as suas envolventes, que iremos abordar ao longo dos próximos textos.

Nota de Rodapé: 

A identidade do autor da designação do Cabo das Agulhas ainda hoje está envolta em mistério e provavelmente assim permanecerá para sempre, mas atendendo à primeira referência conhecida (planisfério de Cantino, de 1502), o autor terá sido um dos primeiros quatro Capitães que por lá passaram, a saber, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral ou João da Nova. Consideramos que terá sido Bartolomeu Dias o autor desta designação, mais adiante apresentaremos justificação para esta nossa convicção.

Texto retirado do livro: “Grandes exploradores de todos os tempos”

Resumo da expedição marítima da chegada à Índia
A expedição iniciou-se a 8 de Julho de 1497, em Lisboa Belém.
A linha de navegação de Lisboa até ao Cabo da Boa Esperança foi a habitual e no Oceano Índico é descrita por Álvaro Velho:

 “rota costeira até Melinde e travessia directa deste porto até Calecute”.
Durante esta expedição foram determinadas latitudes através da observação solar, como refere João de Barros.
Relatam os Diários de Bordo das naus muitas experiências inéditas. Encontrou esta ansiosa tripulação rica fauna e flora. Fizeram contacto perto da baía de Santa Helena com tribos que comiam lobos-marinhos, baleias, carne de gazelas e raízes de ervas; andavam cobertos com peles e as suas armas eram simples lanças de madeira de zambujo e cornos de animais; viram tribos que tocavam flautas rústicas de forma coordenada, o que era surpreendente perante a visão dos negros pelos europeus. Ao mesmo tempo que o escorbuto se instalava na tripulação, cruzavam-se em Moçambique com palmeiras que davam cocos. Apesar das adversidades de uma viagem desta escala, a tripulação mantinha a curiosidade e o ânimo em conseguir a proeza e conviver com os povos. Para isso reuniam forças até para assaltar navios em busca de pilotos. Com os prisioneiros, podia o capitão-mor fazer trocas, ou colocá- los a trabalhar na faina; ao rei de Mombaça pediu pilotos cristãos que ele tinha detido e assim trocou prisioneiros. Seria com a ajuda destes pilotos que chegariam a Calecute, terra tão desejada, onde o fascínio se perdia agora pela moda, costumes e riqueza dos nativos. Sabe-se, por Damião de Góis, que durante a viagem foram colocados cinco padrões: São Rafael, no rio dos Bons Sinais; São Jorge, em Moçambique, Santo Espírito, em Melinde; Santa Maria, nos Ilhéus, e São Gabriel, em Calecute. Estes monumentos destinavam-se a afirmar a soberania portuguesa nos locais para que outros exploradores não tomassem as terras como por si descobertas.
Em 20 de Maio de 1498, a frota alcançou Kappakadavu, próxima a Calecute, no actual estado indiano de Kerala, ficando estabelecida a rota no Oceano Índico e aberto o caminho marítimo dos Europeus para a Índia.
As negociações com o governador local, Samutiri Manavikraman Rajá, Samorim de Calecute, foram difíceis. Os esforços de Vasco da Gama para obter condições comerciais favoráveis foram dificultados pela diferença de culturas e pelo baixo valor das suas ofertas (no ocidente era hábito os reis presentearem os enviados estrangeiros, no oriente esperavam ser impressionados com ricas ofertas). As mercadorias apresentadas pelos portugueses mostraram-se insuficientes para impressionar o samorim e os representantes do samorim escarneceram das suas ofertas, simultaneamente os mercadores árabes aí estabelecidos resistiam à possibilidade de concorrência indesejada. A perseverança de Vasco da Gama fez com que se iniciassem, mesmo assim, as negociações entre ele e o samorim, que se mostrou agradado com as cartas de D. Manuel I. Por fim, Vasco da Gama conseguiu obter uma carta ambígua de concessão de direitos para comerciar, comprovativa do encontro que dizia:
«Vasco da Gama, fidalgo da vossa casa, veio à minha terra, com o que eu folguei. Em minha terra, há muita canela, e muito cravo e gengibre e pimenta e muitas pedras preciosas. E o que quero da tua é ouro e prata e coral e escarlata».

Os portugueses acabariam por vender as suas mercadorias por baixo preço para poderem adquirir pequenas quantidades de especiarias e jóias para levar para o reino. Contudo a frota acabou por partir sem aviso após o Samorim e o seu chefe da Marinha Kunjali Marakkar insistirem para que deixasse todos os seus bens como garantia. Vasco da Gama manteve os seus bens, mas deixou alguns portugueses com ordens para iniciar uma feitoria.

Navio da armada de Vasco da Gama encontrado em Omã
14 Mar, 2016 - 09:09

A nau “Esmeralda” foi primeiro descoberta por uma empresa britânica, em 1998, (mais à frente iremos ver que a notícia foi forjada...) mas o levantamento arqueológico só começou em 2013. Foram recuperados quase três mil artefactos, entre os quais um emblema pessoal de D. Manuel I.
O Ministério do Património e da Cultura de Omã anunciou esta segunda-feira a descoberta de um navio português naufragado numa ilha remota de Omã em 1503, quando fazia a carreira da Índia, incluído na armada de Vasco da Gama.
O navio é, de acordo com aquela entidade, a mais antiga embarcação dos Descobrimentos Portugueses encontrado e cientificamente investigado por arqueólogos. 

Em comunicado, o Ministério indica que o navio português naufragou durante uma tempestade ao largo da ilha Al Hallaniyah, na região Dhofar, de Omã. O local do naufrágio foi inicialmente descoberto pela empresa britânica Blue Water Recoveries Ltd. (BWR), em 1998, no 500º aniversário da descoberta de Vasco da Gama do caminho marítimo para a Índia.
Contudo, o Ministério só deu início ao levantamento arqueológico e à escavação em 2013, tendo sido desde então realizadas mais duas escavações em 2014 e 2015, com a recuperação de mais de 2.800 artefactos.

Os principais artefactos, que permitiram identificar o local do naufrágio como sendo a nau “Esmeralda”, de Vicente Sodré, incluem um disco importante de liga de cobre, com o brasão real português e uma esfera armilar e um emblema pessoal de D. Manuel I.
A mesma fonte indicou que foram também encontrados um sino de bronze, com uma inscrição que sugere que o navio data de 1498, cruzados de ouro, cunhados em Lisboa entre 1495 e 1501 e um moeda de prata rara, chamada Índio, que D. Manuel I terá mandado fazer especificamente para o comércio com a Índia. 

 “A extrema raridade do Índio (só se conhece um outro exemplar no mundo inteiro) é tal, que possui o estatuto lendário da moeda "perdida" ou "fantasma" de D. Manuel I”, adiantou o Ministério do Património e Cultura de Omã.
Na nota é também referido que "o projecto foi gerido conjuntamente por este Ministério e David L. Mearns da BWR, tendo-se respeitado rigorosamente a Convenção da UNESCO para a Protecção do Património Cultural Subaquático de 2001". 

A extrema raridade do Índio (só se conhece um outro exemplar no mundo inteiro) é tal, que possui o estatuto lendário da moeda "perdida" ou "fantasma" de D. Manuel I”, adiantou o Ministério do Património e Cultura de Omã.

Era o navio mais poderoso e o mais importante da armada”


A descoberta deste antigo navio da armada portuguesa é um dos mais importantes e relevantes achados arqueológicos recentes para Portugal, como atesta o historiador Paulo Pinto.

Em declarações à agência Lusa, o investigador do Centro de História d'Aquém e d'Além-Mar (CHAM) da Universidade Nova de Lisboa explicou que este “navio era poderoso e o mais importante da armada”. “Se foram agora encontrados os seus restos, é um achado arqueológico muito importante e relevante até para a compreensão do que foram estes primeiros anos da presença portuguesa naquela região”, disse.

O investigador esclareceu ainda que o navio e o capitão estavam integrados na armada de Vasco da Gama quando chegaram à Índia, mas as circunstâncias que rodearam o naufrágio e os conduziram ao naufrágio não têm nada a ver com a viagem de Lisboa para a Índia. O navio seria um dos usados por Vicente Sodré, responsável pela quarta armada à Índia, para patrulhar a região da Omã, bem como levar a cabo uma série de acções de retaliação contra navios muçulmanos nesta região.

“As fontes falam que o navio se perdeu junto às ilhas de Cúria Múria provavelmente em Abril ou Maio de 1503, o que bate certo com o local onde [agora] dizem ter encontrado o navio. Depois terá aparecido um tufão, um temporal e o navio afundou”, disse, adiantando que terão sobrevivido apenas uma ou duas pessoas.
O investigador salientou também que a região em causa “não é assim tão grande para que o achado esteja incorrecto”. “Tanto quanto sei, por esses anos, provavelmente este foi o único navio da armada portuguesa naufragado naquela região. As fontes portuguesas dizem claramente que foi perdido junto a essas ilhas”, concluiu. 
O Verdadeiro descobridor da nau portuguesa perdida

Por Leonardo Ralha:

 António Camarão queixa-se de ter sido esquecido pela empresa que anunciou a localização da 'Esmeralda', naufragada em 1503

A notícia da descoberta de destroços da nau ‘Esmeralda’, naufragada no Índico em 1503, surpreendeu Portugal na segunda-feira, mas ninguém terá ficado tão surpreendido quanto António Camarão. 
O historiador português, de 53 anos, soube pela comunicação social que a localização da embarcação capitaneada por Vicente Sodré, um tio materno de Vasco da Gama, fora anunciada pelo Ministério do Património e Cultura do Omã e pela empresa Blue Water Recoveries, que o contratou em 1998, precisamente para encontrar o que restava da nau ‘Esmeralda’. 
Algo que António Camarão conseguiu, primeiro em arquivos históricos e depois a mergulhar no fundo do mar, junto à ilha de al-Hallaniyah, que faz parte do sultanato. 
"A única coisa que quero é que reconheçam que a investigação preliminar foi minha", disse o historiador à ‘Domingo’, após David L. Mearns, director de pesquisas da Blue Water Recoveries, ter omitido o seu nome ao comunicar a descoberta de 2800 artefactos que estariam a bordo da embarcação, naufragada depois de um tufão a ter lançado contra os recifes da ilha. 
O responsável da empresa , que já esteve envolvida na recuperação do recheio de navios afundados na II Guerra Mundial, escreveu em Agosto de 2002 uma carta de recomendação a António Camarão, na qual dizia que o trabalho do português "culminou na localização do que acreditamos serem os destroços das naus de Vicente e Brás Sodré, um achado de grande importância histórica e arqueológica para a nação portuguesa". No entanto, contactado esta semana pela Lusa, Mearns atribuiu o mérito do achado apenas a Peter Cope e Alex Double, que foram os primeiros a confirmar os indícios de  que haveria algo para descobrir na ilha de al-Hallaniyah: "António nem sequer estava em Omã nessa expedição, pelo que é impossível reclamar tais créditos." 
Por seu lado, António Camarão sublinha que as cordas de referência que encontrou ao chegar à ilha, na segunda expedição, não estavam certas, mas deixa claro que nada mais pretende além do reconhecimento do seu trabalho. 
"Não quero nem um tostão. 
Ele que seja muito feliz a vender na Sotheby’s, porque a maior parte dos achados não vão ficar em Omã e acabarão por ser leiloados. Só quero que diga no artigo que a escavação preliminar, que confirmou ser ali o sítio onde naufragaram os dois Sodré, foi feita por mim.
" Apanhados pelo tufão Afastado da arqueologia subaquática – "abandonei em 2000, um bocado desiludido com o meio", diz –, Camarão foi para o Museu Nacional de Arqueologia logo após a universidade. Passou pelas empresas Arqueonautas e AMOI – Arqueologia Marítima Oceano Índico, com projectos nos mares de Cabo Verde e de Moçambique, até que foi contactado pela Blue Water Recoveries. 
Dois ingleses quiseram falar comigo. 
Perguntaram qual seria o naufrágio no Índico que escolheria para trabalhar, mas sabiam de antemão a resposta, através de um amigo em comum", recorda à ‘Domingo’. 
As naus ‘Esmeralda’, de Vicente Sodré, e ‘São Pedro’, do seu irmão Brás Sodré, eram duas de uma armada de cinco a que Vasco da Gama, descobridor do caminho marítimo para a Índia, entregara a missão de defender as feitorias de Cananor e Cochim e de impedir a navegação de mercadores árabes provenientes do mar Vermelho. 
Foi a essa última missão que os dois tios de Vasco da Gama mais se terão dedicado, contando amealhar saques de navios carregados de especiarias e ouro.
Mas nada lhes correu bem, como foi documentado pelos cronistas da época dos Descobrimentos. 
Mesmo ao descobrirem o arquipélago de Curia Muria, ponto de encontro entre vendedores e compradores do Índico, ignoraram o aviso dos seus pilotos árabes quanto à aproximação do tufão, julgando tratar-se de um ardil. 
Não era. A força dos elementos foi tal que a ‘Esmeralda’ entrou de ré no recife e ficou desfeita, enquanto a ‘São Pedro’ entrou de proa, possibilitando que parte da tripulação – mas não o capitão – se salvasse e muito do seu recheio fosse retirado para as outras três naus, que aceitaram o conselho dos pilotos e escaparam à tormenta no outro lado da ilha.
 O que restou do casco e mastros da ‘São Pedro’ foi queimado de seguida, pelo que os achados descobertos em 1998 e nas intervenções mais recentes da Blue Water Recoveries, a partir de 2013, dirão respeito à ‘Esmeralda’. 
Desbastar algas Do tempo que passou na ilha, com o mergulhador Lyle Craigie-Halkett e Alex Double, um mergulhador que serviu de guia, por saber falar arábico, o português salienta a dificuldade insólita encontrada em Dezembro de 1998. 
"O tempo não era o pior, mas também não era o mais favorável. Até porque é nessa altura que florescem algas junto ao coral. Olhar para o fundo, onde estavam os achados, só foi possível andando de faca na mão a desbastar algas", recorda, chamando também a atenção para a forte rebentação do mar: "Houve dias em que pareceu que estávamos a mergulhar dentro do tambor de uma máquina de lavar a roupa. Agarrávamo-nos àquilo que podíamos. 
Saltavam a máscara e as barbatanas
." Algo que torna ainda mais improvável, no seu entender, a descoberta das madeiras do navio. Foi, no entanto, possível encontrar cinco dezenas de objectos, todos referenciados no seu relatório preliminar. 
Desde balas de canhão à culatra de um canhão, um objecto metálico que seria uma moeda ou o que restava de um prato de prata.
E ainda os locais onde foram sepultados Vicente e Brás Sodré.
"Os cronistas escreveram que eles foram enterrados acima do local dos naufrágios e confirmei que as campas estão lá", disse António Camarão à ‘Domingo’, salientando que uma análise de ADN aos restos mortais dos tios maternos de Vasco da Gama seria a única forma de acabar com as recorrentes dúvidas quanto às ossadas que estão no Mosteiro dos Jerónimos. 
Apesar do sucesso da segunda expedição, a ilha de al--Hallaniyah foi deixada pela Blue Water Recoveries, mais interessada na ‘Santa Rosa’, outra embarcação portuguesa, que explodiu em circunstâncias misteriosas na costa brasileira, em 1726, contando na sua carga com dois anos de ouro do Brasil que se destinava à coroa portuguesa. 
Certo é que desde 2013 a empresa retomou a procura da nau ‘Esmeralda’. 
Conseguiu montar uma operação de sucesso. Parabéns ao David L. Mearns", diz António Camarão, que trabalha agora na Câmara do Barreiro, dedicando-se à investigação histórica da cidade, sem deixar de sentir nostalgia pelo tempo em que a arqueologia subaquática se distinguia da caça ao tesouro.