quinta-feira, 30 de maio de 2013

" Brasil, descobrimento oficial" , a partida da frota de Pedro Álvares Cabral


 ( texto adaptado de Max Justo Guedes ) ...o descobrimento oficial do Brasil
itinerário de Lisboa a Porto Seguro, baía Cabrália, da frota de Pedro Álvares Cabral
A partida da frota de Pedro Álvares Cabral constituída por 13 embarcações (naus e caravelas), do rio Tejo, Lisboa deu-se a 09 de Março de 1500, uma Segunda Feira.
iluminura do livro "armada portuguesa, da frota Pedro Álvares Cabral
O rumo foi desfechado após a saída do rio Tejo.
Singraram a SSW, rumo usual para a travessia até às Canárias, trecho conhecido então, como de “las Yegguas” pelos pilotos espanhóis.
derrota de Pedro Álvares Cabral do rio Tejo, Lisboa ao Equador
Bom tempo e vento de feição permitiram que a distância de aproximadamente 700 milhas fosse percorrida em 5 dias, como andamento diário de 140 milhas, ou seja, a velocidade de 5,8 nós bastante razoável para a época.
É curioso lembrar que Colon em 1492, conhecido pelo nome falso de "Colombo", percorreu menor distância em seis dias, segundo Fernando Colon ou sete dias , de acordo com Las Casas, Vasco da Gama, em 1497, levou sete dias, Martin Afonso de Sousa, trinta anos depois, gastou um dia mais que Cabral e D. João de Castro, em 1538, sete dias.
No dia 14 de Março, Sábado, entre as oito e as nove horas da manhã, estava a frota entre as Canárias, mais perto da Gran Canária, como esclarece Caminha.
Nesse dia, a calmaria deteve a esquadra à vista das ilhas, a 3 ou 4 léguas da Gran Canária, única maneira de conciliar a realidade geográfica com a afirmação de Pero Vaz:  "aly andamos todo aquele dia em calma avista delas obra de três ou quatro léguas das Canárias" ou mesmo da Gran Canaria, Fuerteventura e Tenerife, que eram as ilhas à vista. Se achasse a 4 léguas da Gran Canaria, a esquadra estaria afastada mais de 10 léguas de Fuerteventura ou de Tenerife!
arquipélago das ilhas Canárias
Tendo a frota passado entre Tenerife e a Gran Canaria ou entre esta e Fuerteventura, não se possui elementos para o saber com segurança.
Trinta ou quarenta milhas após ultrapassada a extremidade Sul desta ilha o vento volta à direcção e intensidade normais - o alisado de Nordeste - a armada retomou seu andamento.
O rumo, como é natural, foi aberto para Oeste,  SW 1/4 S - Sudoeste um quarto a Sul - em demanda das ilhas de Cabo Verde, ou, mais precisamente de Santiago, conforme aconselhara Gama.
A 800 milhas que separam os dois arquipélagos foram cobertas em oito dias, com velocidade média de 4 nós folgados.
arquipélago das ilhas de Cabo Verde
O andamento foi bom,  Martim Afonso de Sousa demorou-se doze dias, em  Dezembro de 1530; Colon, mais feliz, levou somente seis dias- velocidade média,  de 6 nós-, por ocasião da sua terceira viagem,  D. João de Castro, oito dias.
Pero Escobar, um dos maiores pilotos portugueses da época,  tendo estado na Índia com Vasco da Gama, reconheceu, prontamente, a ilha de S. Nicolau, quando dela de acercou a frota às dez horas  "pouco mais ou menos ".
A rota que levavam levou a esquadra a passar no largo canal - 58 milhas aproximadamente -que separa S. Nicolau da ilha do Sal.
Sendo aquela uma ilha bastante elevada, pode ser avistada , com boa visibilidade, a mais de 70 milhas.
Fosse a rota mais aberta e S. Antão, com o seu tope da corroa alçando-se a 6493 pés -1980 m -  apareceu primeiro aos vigias da armada.
A rota  foi chegada à ilha de S. Nicolau,  Caminha não menciona o avistamento da ilha do Sal, com o seu monte Grande, de 1332 pés de altitude - 406 m - é visível a quem se aproxime a menos de 40 milhas.
A frota passou pela ilha de Boavista, sem a avistar, indo cruzar o canal que separa a ilha de Santiago da ilha do Fogo, esta última com um notável vulcão que se eleva a 9281 pés- 2829 m, foi visível durante alguns dias.
No Quarto d'Alva do dia seguinte, uma segunda feira, dia 23, foi notada a falta de uma das naus.
Caminha diz ter sido a de Vasco de Ataíde.
Dois dias se demorou a frota em infrutíferas buscas, ao cabo das quais Cabral, cingindo-se às instruções de Gama, iniciou o que Pero Vaz de Caminha chamou " o nosso caminho per este mar delongo.
regime das correntes marítimas na costa Leste Atlântica brasileira
Navegação com o alisado de Nordeste

As 600 milhas que separam o arquipélago de Cabo Verde até à latitude  5º  Norte e longitude de 24º 30' W- que marca o início das calmas equatoriais para Março- Abril,  foram cobertas com o alisado pela alheta de bombordo em cinco dias, com andamento médio de 5 nós.

Passagem pela região de calmas equatoriais

Tendo ultrapassado Cabo Verde,  na noite de 24 para 25, pois os dias 23 e 24 foram gastos na procura de Vasco Ataíde, cinco dias depois, entre 29 e 30 de Março, a frota estava em 5º de latitude Norte, entrando  na região das calmas equatoriais - doldrums, limite inferior do alisado de Nordeste.
Esta região, no início do mês de Abril ou fim de Março, estende-se por aproximadamente 3 3/4 graus, uma vez que o limite Norte médio do alisado de Sueste anda por 1 1/4 grau de latitude Norte.
Entrando  nas calmarias, a Corrente Equatorial Sul deslocou a frota cerca de 90 milhas para Oeste, - arrastamento médio de nove milhas diárias-  a velocidade passou a ser estimada em 1 nó. Com singraduras de 24 milhas, levou cerca de 10 dias para ultrapassar os doldrums,levando as embarcações a atingir a latitude 1 1/4 Norte e longitude 26º Oeste.
Navegação com o alisado de  Sueste

Atingida a latitude 1º 1/4 Norte, o alisado de Sueste  fez-se  sentir, pouco a pouco . É o vento escasso que obrigou a frota a lançar-se na volta do mar, dois dias depois cruzou o Equador, data próxima do dia 10 de Abril, entre as longitudes 27º e 28º a Oeste de Greenwich. Nessa altura, pelo efeito do rumo Sudoeste e da corrente que anda por 15 milhas diárias, deslocou a esquadra  1º 1/4 para Oeste.
Ultrapassado o Equador, o vento alargou-se e a rota fechou um pouco sobre o Sul ou Sul quarta a Sudoeste, corrigido da declinação magnética (cerca de quarta Leste ), foi de SSW, rumo  singrado até à latitude de Fernão de Noronha, deixada a sotavento, a 210 milhas - 70 léguas -, tendo em atenção o abatimento por força da Corrente Equatorial.
Pelas alturas do Cabo São Roque, a Corrente Equatorial  biforca-se  formando a Corrente Brasileira que corre paralelamente à costa, afastada de 120 a 150 milhas levou a frota a percorrer 600 milhas seguintes até à latitude 13º Sul  da actual cidade de S. Salvador, com um aumento da velocidade estimada em 1/2 nó, com abatimento de 0,2 a 0,3 nó para Oeste.
Por volta do dia 18 de Abril, associada à velocidade da superfície acrescida do deslocamento provocado pela corrente, em 5 nós   estaria a esquadra à latitude da actual Baía de Todos os Santos.
Seguindo rumo verdadeiro próximo de Sudoeste,  três dias depois de percorrer 300 milhas, próximo da latitude Porto Seguro, numa Terça-Feira das oitavas da Páscoa, dia 21 de Abril, viram os mareantes " ervas compridas aque chamã e asy outras aque tambem chamã rrabo dasno", os quais os sinais de terra se tornaram por demais evidentes.
derrota da frota de Pedro Álvares Cabral do Equador a Porto Seguro, baía Cabrália, Brasil
Nessa ocasião rumou Cabral a Oeste ou quarta de Nordeste, em demanda de terra, cobrindo  120 milhas em trinta e poucas horas com andamento cauteloso de 3 nós.
Em " aoras de bespera", isto é, passando das três horas da tarde, foi avistado de Sueste, um " monte muy alto e rredondo e doutras serras mais baixas ao Sul dele",  Monte  Pascoal, 536 m, situado a 18 milhas no interior da costa, a Oeste da actual Ponta Corumbau.
monte Pascoal e serras envolventes a Sul 
O monte pode ser avistado a 50 e mais milhas de distância, desta forma, a mais de 30 milhas da costa pode ser avistado pela armada.
ponta do Corumbau
Ao pôr do Sol do dia 22 de Abril, havendo avançado mais 12 milhas, fundeou a armada em 19 braças, ancoragem limpa, a 6 léguas da costa, ou seja umas 19 milhas, estava descoberto o Brasil, oficialmente.
 Fundeada permaneceu a frota até ao dia seguinte, Quinta Feira, 23 de Abril, quando se fez à vela em direcção à terra.
Como era usual, as caravelas colocaram-se na vanguarda, boas que eram para descobrir conforme se dizia então.
Sondagens cuidadosas permitiram aproximação segura até milha e meia da costa, meia légua, onde, cerca das dez horas, lançaram ferro em nove braças, próximo da foz do actual rio Frade.
foz do rio Frade
Á capitânia, vieram os comandantes, deliberando enviar a terra um batel, nele foi Nicolau Coelho, experimentado navegante que observaria o rio e os homens avistados de bordo.
rio Frade
Às oito horas da manhã de 24 de Abril,  Sexta Feira, suspendeu a frota na direcção do Norte, em busca de bom porto onde se pudesse abrigar, para refresco, aguada e embarque de lenha.
Caravelas e embarcações pequenas chegados à costa, as naus bem mais ao largo, para maior segurança da rota, com andamento cauteloso de 3 nós escassos.
derrota da frota de Pedro Álvares Cabral ao rio Frade e rumo à baía Cabrália, terras de Vera Cruz, Brasil 
Deste modo, a busca demorou-se até quase ao pôr do sol.
Acharam " huu arrecife com huu porto dentro muito boo e muito seguro com huua muy larga entrada". Este porto, logo recebeu o nome de Porto Seguro, foi muito tempo, identificado como a actual Baía Cabrália, em singela homenagem geográfica ao descobridor oficial do Brasil.
Porto Seguro e baía Cabrália 
Achado o porto que buscavam, meteram-se nele os barcos menores e amainaram. As naus, sempre dentro da margem de segurança estabelecida por hábeis mareantes, fundearam em onze braças, a uma légua do Recife da Coroa Vermelha.
 recife da Coroa Vermelha da baía Cabrália, Brasil
À praia foi um esquife, com o experiente Afonso Lopes ávido por reconhecer a terra e os habitantes.
Dois índios, são levados à capitânia, onde Caminha pode observá-los, fazendo saborosíssimo relato do facto ao Soberano.
 iluminura da baía Cabrália
Na manhã seguinte, Sábado dia 25 de Abril, as naus demandam a baía e vão fundear em cinco a seis braças, junto das embarcações pequenas.
Foram os portugueses a terra, Caminha entre eles, bem como os dois veteranos Coelho e Bartolomeu Dias.
Os locais auxiliam a fazer aguada no útil Mutári.
foz do rio Mutári
À tarde, Cabral e os demais capitães, saem nos respectivos batéis, a passear pela baía.
Desembarcam todos no Recife da Coroa Vermelha, onde folgaram durante uma hora.
baía Cabrália
No Domingo da Pascoela, voltaram todos ao recife, onde ouvem missa, rezada em altar improvisado sob um esperável. Segue-se novo passeio de barco, com os índios, em grande alvoroço, metidos na água e os portugueses tocando trompetas e gaitas até tornarem a bordo para comer. Após o almoço, os capitães são reunidos em conselho ao qual assiste Caminha.
baía Cabrália
Decide-se , então, enviar ao reino a caravela dos mantimentos, levando a notícia do descobrimento; resolve-se que na terra ficariam dois degredados e que nenhum índio seria levado a Portugal. Findo o conselho, vão todos examinar o rio e recrearem-se ; confraternizam portugueses e silvícolas, com Diogo Dias a dançar entre eles, ao som de gaita.
local da 1ª missa em terras de Vera Cruz, Brasil
Segunda Feira, 27 de Abril, novamente vão os lusos fazer aguada, misturando-se  com os naturais, agora menos esquivos. Neste dia Mestre João, Afonso Lopes, piloto de Cabral e Pero Escobar, piloto de Tovar, tomam a altura da passagem meridiana do Sol, avaliando a latitude local 17º Sul próximo do real ( 16º 20' latitude Sul ).
A mando de Cabral, Diogo Dias e três degredados visitam, uma taba indígena. Foi iniciado o sistema de trocas que se tornou usual entre europeus e índios.
 rio Mutári
Terça Feira, dedicou-se a guarnição a cortar lenha e lavar roupa.. Iniciou-se a construção de uma cruz, utilizado uma árvore cortada na véspera. Dias e dois degredados voltam à aldeia indígena, com ordens de ali pernoitarem, o qual não lhes foi consentido.
pôr do Sol em Porto Seguro
Quarta Feira, cuidou Cabral de transferir a carga da caravela dos mantimentos, distribuída pelas as demais embarcações.
Sancho Tovar foi a terra e permitiu que dois naturais o acompanhem de volta. Comem e dormem a bordo da Nau.
 Quinta Feira, 30 de Abril, voltou a guarnição a cortar lenha e fazer aguada. Os índios auxiliam na faina. Neste dia, o número deles foi elevado: quatrocentos e cinquenta.
À noite, a guarnição ao regressar a bordo, leva com eles quatro naturais, sendo dois para a nau de Cabral, um para a de Aires Gomes da Silva e outro para a caravela de Simão de Miranda.
Sexta Feira, 1 de Maio, último dia relatado por Caminha, foram todos a terra com bandeira de Cristo, desembarcando acima do rio, contra o Sul, local onde foi erguida a cruz. Cabral e os seus homens passaram o rio a buscá-la, o lenho ficou junto à floresta donde fora cortada a árvore para a sua confecção.
Voltaram em procissão, os religiosos à frente, entoando cânticos. Os índios auxiliaram o transporte da pesada cruz.
marco histórico de pedra em Porto Seguro
Passado o rio, junto à foz, é levada à cova preparada na praia, cerca de trezentos metros ( dois tiros de besta, além da embocadura do Mutari. A cruz levava as armas e a divisa de D. Manuel, conforme conta Caminha.
foz do rio Mutári
Erguida, armou-se altar junto dela, oficiando Frei Henrique. Versou a pregação sobre os apóstolos. e sua missão. às treze horas, finda a cerimónia, recolheram todos às naus para almoçar.
No dia seguinte, partiu a armada rumo do Cabo da Boa Esperança. Para Norte seguiu  a caravela dos mantimentos, que sob o comando de Gaspar de Lemos, levava cartas de Cabral, capitães principais, Caminha e Mestre João.
A frota de Cabral, reduzida a onze embarcações, enfrentou fortíssimo tempo, afundou-se subitamente quatro delas, tresmalhando as demais, que irão juntar-se em Quiloa, à excepção da nau de Diogo Dias, o qual só se encontrariam, no regresso a Cabo Verde.     
baía Cabrália vista do istmo do recife da Coroa Vermelha
Com seis velas, atingiu Pedro Álvares Cabral a Índia - Calicut em Setembro de 1500.
Bem recebido a princípio, surgem depois desentendimentos com os mercadores mouros, senhores do comércio local, e mesmo com o Samorim, interessado em protegê-los.
Finalmente, o porto foi bombardeado, em retaliação à traição que vitimou portugueses.
Carregando especiarias e estabelecendo bons contactos em Cochim e Cananor, pode Cabral iniciar a torna- viagem, a 16 de Janeiro de 1501.
Ainda perderia a grande Nau de Sancho de Tovar.
Aos 23 de Junho, entrava no Tejo a Anunciada, seguindo de perto por Cabral e Pero Ataíde e a seguir por Nicolau Coelho, Tovar e Diogo Dias.
Terminava uma viagem que, parecendo momentaneamente desastrosa em face das elevadas perdas sofridas, transformar-se-ia no grande feito náutico da gente lusa, origem que foi duma das maiores e mais ricas nações, testemunha permanente do incomparável papel civilizador  do pequeno mas grande Portugal!
iluminura da nau de Pedro Álvares Cabral com índios a bordo
Fonte:

A partida da armada de Pedro Álvares Cabral

A armada de Pedro Álvares Cabral foi a segunda frota enviada pelo rei D. Manuel à Índia, e foi preparada logo após o regresso de Vasco da Gama. Desta vez, tratava-se de uma poderosa força naval, constituída por 13 navios e mais de um milhar de homens, com a missão de confirmar as informações, os contactos e os acordos com o rei de Calecute, feitos na viagem anterior.
A dimensão da armada destinava-se, naturalmente, a exibir uma clara posição de força, embora ainda se pensasse que a Índia era povoada por cristãos e que o próprio rei de Calecute era também cristão. As ordens do rei estipulavam detalhadamente os procedimentos que Pedro Álvares Cabral deveria seguir e as cautelas que deveria ter, de forma a evitar os contratempos que Vasco da Gama tinha enfrentado.
A armada partiu de Lisboa a 9 de Março e passou as Canárias e Cabo Verde no espaço de poucos dias. Ao afastar-se da costa africana e depois de passar o equador, a armada deparou com sinais de terra, que se confirmaram a 22 de Abril, quando atingiu a costa brasileira.

Foi um acaso, esta chegada ao Brasil?

No caso desta armada, temos todas as razões para crer que sim. Há suspeitas de que esta terra já tinha sido avistada ou tocada por navios portugueses, em anos anteriores, mas nada de seguro se sabe. O caso mais conhecido é o de Duarte Pacheco Pereira, que menciona no seu trabalho ter chegado ao Brasil em 1498.
Há também o célebre caso da linha do Tratado de Tordesilhas, que o rei D. João II exigiu que fosse traçada mais para oeste do que tinha sido inicialmente proposto pelos castelhanos, e que indicia o conhecimento ou a suspeita da existência de terra naquelas paragens. Mas em qualquer dos casos, trata-se apenas de suposições pouco sólidas.
Só na viagem de Cabral é que a existência do Brasil foi devidamente assinalada e registada, e de tal maneira constituiu uma surpresa que o capitão mandou um dos navios de regresso a Lisboa, para informar o rei do achado da nova terra.

Como correu o resto da viagem?

O resto da armada retomou o curso da viagem, após esta pausa de cerca de duas semanas. Atravessou o Atlântico rumo ao Cabo da Boa Esperança, mas uma tempestade fez naufragar vários navios, entre eles a caravela comandada por Bartolomeu Dias, precisamente o primeiro europeu a passar o Cabo, doze anos antes.
A armada que chegou finalmente a Calecut estava, portanto, substancialmente enfraquecida. Na Índia, Pedro Álvares Cabral tomou conhecimento de uma realidade amarga: a terra não eram povoada por cristãos, como Vasco da Gama tinha sido induzido, mas sim por gentios, e o comércio marítimo era dominado por muçulmanos, naturalmente hostis aos portugueses.
Estava, portanto, aberto o caminho para as hostilidades e para o confronto militar, que ocorreram por diversas vezes antes do regresso da armada a Portugal e que veio a marcar o quotidiano da presença portuguesa na Índia nos anos seguintes.

.............................

........................................................

quarta-feira, 15 de maio de 2013

" Miguel Corte Real e a Pedra de Dighton "

Cultura

Em 1951 o micaelense José Dâmaso Fragoso encontrou na América três Cruzes de Cristo  idênticas às dos Descobrimentos portugueses

Pedra de Dighton esteve metida na água das marés,  20 horas por dia,  no Rio Taunton até 1963.  Foi a água das marés que protegeram as inscrições de serem destruídas por vandalismo.

A Pedra de Dighton é um vestígio da presença portuguesa nos EUA, teoria que foi fortemente defendida pelo recém-falecido Dr. Manuel Luciano da Silva, o homem que mais divulgou a importância dos portugueses na História da Humanidade.

Segundo esta teoria, a Pedra de Dighton tem inscrições inscritas com o nome do terceirense Miguel Corte Real e o ano de 1511, além de ter as cruzes de Cristo, símbolo do Portugal dos Descobrimentos.

Em 1951 o micalense José Dâmaso Fragoso encontrou na América três Cruzes de Cristo idênticas às dos Descobrimentos portugueses
 

A Pedra de Dighton foi encontrada na foz do rio Taunton, em Berkley, Massachusetts.
A teoria portuguesa foi primeiramente defendida, em 1918, pelo Professor americano Edmund Delabarre, que estudou durante 12 anos tudo o que existia sobre a pedra, sobretudo as teorias já existentes.
Não concordando com o que existia, o Professor Delabarre, a 2 de Dezembro de 1918, encontrou na Pedra a data de 1511.
De seguida, Delabarre distinguiu as letras MI e CORT, que o fizeram encontrar o nome de Miguel Corte-Real.
Delabarre conseguiu “ver” ainda o escudo português em "V".

A teoria portuguesa veio alterar o que se pensava do desaparecimento de Corte-Real.
Miguel Corte-Real era filho do 1º capitão de Angra, João Vaz Corte-Real, que, em 1472, descobriu a Terra Nova, ao lado de Álvaro Martins Homem.
Assim, os filhos de João Corte-Real cresceram com o sentimento de aventura e, em 1500, um dos filhos, Gaspar Corte Real, partiu rumo à Terra Nova, chamada então de Terras dos Corte-Reais.
No ano seguinte, no Verão, Gaspar partiu numa segunda expedição ao Atlântico Norte, só que não regressou.
O seu irmão, Miguel Corte-Real partiu, a 10 de maio de 1502, em busca de Gaspar, não voltando mais.
A teoria portuguesa de Miguel Corte-Real começou a ganhar forma, confrontando-se datas, e defendendo-se, a partir de então, que Miguel não tinha morrido, tinha desembarcado junto ao rio Taunton e que sobrevivera.
 

Em 1951, o micaelense José Dâmaso Fragoso, professor na New York University, encontrou três Cruzes de Cristo, idênticas às usadas pelos portugueses, nos Descobrimentos, símbolo de Portugal, o que veio cimentar a teoria da presença de Miguel na América.
Contudo, desde 1928, quando fundou a Memorial Society de Miguel Corte Real, que comprou terra adjacente à Pedra, que Fragoso estudava detalhadamente a Pedra.

O estudioso fundou ainda a revista intitulada O Mundo Português.
A teoria ganhava forma e passou-se a defender que os portugueses tinham sido os primeiros europeus a colonizar a América.

Foi nesse momento que o Dr. Manuel Luciano da Silva conheceu esta teoria e iniciou os seus estudos sobre a veracidade, autenticidade e significado das inscrições, sobretudo quando, a 2 de Novembro de 1959, juntamente com Charles Dupont, o Dr. Manuel Luciano da Silva tirou fotografias da pedra, decalcou as formas de símbolos que provavam a presença do terceirense junto ao rio Taunton.

Em 1960, no I Congresso Internacional dos Descobrimentos, em Lisboa, o Dr. Manuel Luciano da Silva apresentou a descoberta da quarta Cruz da Ordem de Cristo e reafirmou a teoria portuguesa da Pedra de Dighton.
Vista panorâmica do Museu da Pedra de Dighton. O edifico que tem a janelas pequenas chame-se Pavilhão e é onde está guardada a Pedra de Dighton dentro duma vitrine de vidro.  O edifício da frente é o Museu propriamente dito e contem  os painéis e os artefactos marítimos.

Apesar de alguma apatia por parte de muitos presentes no Congresso, o Dr. Manuel Luciano da Silva lutou e conseguiu que a Pedra de Dighton fosse retirada do rio Taunton e fosse criado um museu em torno da Pedra, em Massachusetts, do qual foi director, merecendo, ao longo dos anos, o apoio de muitos investigadores.

Publicou ainda Os Pioneiros Portugueses e a Pedra de Dighton, com o objectivo de difundir a presença dos portugueses, destacando os Açores, para a História americana.
Dighton Rock State Park

Atendendo aos vários estudos sobre a teoria, a Pedra de Dighton prova que Miguel Corte-Real chegou à América e que viveu lá, pois vários relatos deste período falam da presença de homens brancos, que chegaram àquelas terras “numa casa de madeira”, ou “num pássaro”, tendo-se estabelecido com os índios. Miguel Corte-Real marcou na rocha o nome, a data e as cruzes da Ordem de Cristo, para que alguém visse que ali tinha estado um português.

É pouco provável que tenha encontrado Gaspar, pois se assim fosse, teria deixado inscrito este facto na rocha.

Se pensarmos na data de 1511, não haveria muitos navegadores capazes de explorar, naquele momento, estes territórios tão bem como Corte-Real, visto a família já ter estado naquelas terras e de ter conhecimentos de náutica capazes de navegar até lá.

O Dr. Manuel Luciano da Silva morreu, mas o seu legado continua vivo.
A teoria tem sido aceite e divulgada por um crescente número de investigadores.

Um dos objectivos do antigo Director do Museu da Pedra de Dighton foi divulgar a teoria e já existem várias réplicas espalhadas pelo país, menos em Angra, um dos seus sonhos.

Apesar da morte do Dr. Manuel Luciano da Silva, a réplica foi concluída recentemente e será trazida para a Terceira, para ser colocada no Terceira Mar Hotel, com apoio dos Bensaude

É importante que se relembre o nosso passado glorioso e que se divulgue a vida, os feitos e os protagonistas da nossa História.

Celebrar os Corte-Reais, é relembrar o que demos ao mundo e o que ainda podemos dar, mas temos de gostar do que é nosso e preservar a memória e a História do nosso povo.

Não podemos continuar a esquecer o papel e a história da Pedra de Dighton e dos Corte-Reais… pois é o exemplo maior da nossa importância para a História da Humanidade… e do nosso ADN insular e “açórico”. (Título original: Pedra de Dighton - Vestígios da História)

FRANCISCO MIGUEL NOGUEIRA

Historiador e Investigador

Natural da Agualva, Terceira, residente na Praia da Vitória

GASPAR CORTE-REAL pelo Almirante Gago Coutinho (Separata do BOLETIM DA SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DE LISBOA  11- Novembro 1933)

E' tradição muito antiga, repetida pelos cronistas e geralmente aceite, que Gaspar Côrte-Real, cerca de 1500, descobriu a Terra Nova,.

Da última das suas viagens não voltou, e os que o foram procurar tão pouco trouxeram notícias dele.

Para investigação das suas viagens apenas dispomos de poucos documentos, e esses incompletos, exagerados, ou mesmo contraditórios.

Por um lado, fazia-se segredo da navegação ocidental, possivelmente na zona de Espanha; por outro lado, ele não as pode vir esclarecer.

Partirei do estudo desses escassos elementos, assim como da aplicação do princípio geral -tantas vezes posto de parte na História da Navegação -princípio que é o de não esquecer que as viagens de descobrimento, seja das ilhas, do continente americano, ou do caminho marítimo para a Índia, foram realizadas em navios de vela, dependentes das rotas oceânicas que aos navios impõem os ventos gerais,

O presente artigo foi objecto de uma comunicação apresentada pelo eminente geógrafo e glorioso almirante Gago Coutinho, na sessão comemorativa do dia dos Corte -Reais em 2 de Julho do ano findo na S. G. L. tanto no Passado, como actualmente aos nossos veleiros. 

Além disso, é sabido, pelos roteiros da Índia e outros, que havia nos primitivos pilotos a preocupação de navegar pelas regiões cujo  ventos mais probabilidades ofereciam de assegurar a derrota. Assim, apesar de no inverno não ser essencial ir buscar barlavento à Guiné, para depois, com mais segurança, se monta a costa do Brasil, era aconselhada a todos os navios de vela a bordada de Cabo Verde ao Sueste, até às alturas da Serra Leoa.

O desconhecimento desses princípios levou os antigos historiadores a grandes erros: tal é o que se passa com Américo Vespúcio, que foi considerado grande descobridor, quando das suas cartas se conclui até que ele talvez nem fosse náutico I Enfim, para estudar as viagens de descobrimento, temos de nos imaginar dentro delas, dispondo apenas dos recursos da época.

E, nesta orientação, é de crer que Gaspar Côrte-Real, na sua primeira viagem ao Ocidente, ignorando o regime dos ventos ao Noroeste dos Açores, tivesse seguido o critério náutico mais prudente, qual é o de procurar ganhar Oeste indo pelas latitudes ao Sul das Canárias, onde dominam os ventos entre Norte e Leste, neste caso favoráveis.

* * * No fim do século XV, era em Portugal que se encontravam os mais experientes navegadores de alto mar. Porque havia mais de 80 anos que, com sucesso, os mareantes portugueses se ocupavam nas trabalhosas viagens de descobrimentos de além mar tal sucesso animou outras empresas, e, embora nos faltassem recursos para ocupar todo o mundo, o facto é que as viagens de Colon às Caraíbas mais excitaram os esforços portugueses.

De facto os nossos mareantes tinham-se provado capazes das mais difíceis viagens: Desde que, em 1470, se cortara o Equador, a navegação do Atlântico tornara-se-lhes familiar. Toda a costa de África fora rapidamente reconhecida; em 1488, Bartolomeu Dias, passando além do Cabo da Boa Esperança, entrava no Oceano Índico; e, em 1497, Vasco da Gama, depois da travessia do Atlântico Sul, em arco pelo largo, navegando três meses sem ver terra - o que ainda hoje seria considerado uma viagem grande, ia demandar o Cabo, e encontrava o caminho marítimo, que ligava Lisboa à Índia.

Por outro lado, era antiga a suspeita da existência de terras ao largo dos Açores, fundada, não só na tradição, como também no testemunho dos detritos vegetais que as correntes marítimas para lá arrastavam.

Foi esta suspeita que motivou as numerosas concessões de cartas régias, para navegar, não à procura do caminho da Ásia corno Colon propusera a D.João II mas das terras ou ilhas do Ocidente, a que se dera o nome de BrasilAntília e Sete Cidades.

Não sabemos que resultado prático tiveram essas tentativas, mas não eram auxiliadas pelos Reis, desinteressados dessas terras longínquas. E mais tarde, depois do Tratado de Tordesilhas, a convicção geral era que, no hemisfério Norte, nada nos ficara aquém do meridiano, ou J'aya entre a parte do Atlântico reservada a Portugal, e aquela que fora abandonada à Espanha.

* * *

Esta mesma crença nas terras de Oeste levou um veneziano, residente em Inglaterra, João Cabotto, a tentar, no fim do século XV, .a descoberta da terra das Sete Cidades.

Sobre as viagens de João Cabotto, sabe-se muito menos que a respeito das dos Côrte-Reais.

As suas viagens foram duas.

Da primeira vez partiu de Bristol com um pequeno navio de 18 homens de tripulação, em .Maio de 1497.

Conta-se que começou por navegar da Irlanda para o Norte, até que encontrou gelos flutuantes. Só então aproaram a Oeste, tendo navegado 400 ou, segundo outra informação, 700 léguas. Viu-se terra, da qual foram costeadas 300 léguas.

O clima era temperado, e havia muito peixe. Desembarcando, não encontraram gente, mas só vestígios dela, como armadilhas de caça e uma agulha de fazer rede de pescar. As marés tinham pequena amplitude. De volta para Inglaterra avistaram duas ilhas por estibordo; chegaram  com três meses de viagem.

É de crer que os rumos indicados sejam da agulha magnética; mas, com o importante nordestear que ela tinha naquela época nas regiões a Oeste da Irlanda, não é fácil conciliar esta navegação, que deveria ser nos mares do Norte, muito frios, com a informação sobre o clima temperado.

João Cabotto, depois do sucesso desta primeira viagem,em que se supôs ter atingido as Sete Cidades propôs-se dirigir outra, continuando ao logo da terra já descoberta, sempre para Oeste, até se aproximar da ilha Cipango que ele situava na região equatorial, e que supunha rica de joalharia e de especiarias.

Partiu, de facto, no verão de 1498 com carta de Henrique VII, e parece que com cinco navios, de armadores particulares; ignora-se quantos navios voltaram, quando foi, e onde estiveram.

Somente, por um despacho de 25 de Junho de 1498, do Embaixador Espanhol em Londres, Pedro de Ayala, consta que Cabotto tinha feito um mapa mundo tendo partido em busca das ilhas do Brasil e das Sete Cidades, naturalmente marcadas por ele no seu mapa. Ligando-se com esta informação, chegou até nós o planisfério do piloto espanhol La Cosa, feito em 1500.

Neste mapa, entre as longitudes 30 e 60 graus W de . Greenwich., aparece desenhada uma costa, corrida de Leste a Oeste, e ligada com uma outra costa vaga, a qual passa cerca de 150 léguas ao Norte de Cuba.

Esta última parte da carta não se pode identificar com verdade, e corresponde portanto a uma conjectura; mas as 300 léguas em Leste, da mesma costa, têm alguma nomenclatura e cinco bandeiras inglesas, além da legenda, Mar descoberta por ingleses.

Daqui se conclui que o cartógrafo teve informações sobre a descoberta de uma costa, anteriormente a·1500, provavelmente por João Cabotto.

Mas o desenho é tão vago que não deve corresponder a um reconhecimento hidrográfico. 
Nota-se que não há nesta carta indicação da existência, nem da ilha da Terra Nova, nem da península da Flórida.

Donde se pode inferir que o navegador só avistou terra fora daqueles dois pontos.

 
Nota-se mais, com admiração, que, apesar de a terra ao Norte de Cuba estar toda francamente a Oeste do marco de Tordesilhas, lá estejam, em um mapa feito por um espanhol, bandeiras inglesas indicando mais alguma coisa que a simples descoberta. Como explicá-lo?

Enfim, encontram-se mais notícias sobre as viagens de João Cabotto, em Pedro Mártir, que, cerca de 1511, escreveu as Décadas.

Nelas reproduz informações recebidas de um filho de João CabottoSebastião Cabotto, que foi piloto-mor em Espanha.

Este contou que, tendo partido com dois navios e trezentos homens navegou tanto ao Norte que em Julho havia gelos flutuantes, e o dia durava quase 24 horas.

A terra estava livre, e foram-na contornando para Oeste e um pouco para o Sul, até atingir a latitude de Gibraltar, e a longitude de Cuba.

O país tinha alguns habitantes, e também ursos.

No mar havia tanto peixe, principalmente Bacalhaus que por vezes retardava a marcha dos navios! · Este mesmo Sebastião Cabotto, em 1544- quando toda a costa atlântica da América já era conhecida fez um mapa, ainda existente em Paris, no qual escreveu «prima terra vista» em um cabo, que é provável identificar com o actual Cabo Breton.

Mas não se pode confiar nas suas declarações de maravilhosas descobertas, por ele ser reconhecidamente mentiroso e desonesto, a ponto de se atribuir as navegações reconhecidamente de outros, como a do estreito de Magalhães, e até as do próprio pai, João Cabotto.

Não nos restam pois elementos para poder afirmar por que pontos da América teria passado Cabotto, não havendo tão pouco indicação de ele ter sido o descobridor da Terra Nova.

 * * * 

No estudo das viagens de Gaspar Côrte-Real começaremos por analisar os documentos que sobre elas nos restam. O mais antigo, de que dispomos, é a carta datada de 12 de Maio de 1500, de doação de D. Manuel a «Gaspar Corterreall », da jurisdição sobre quaisquer ilhas ou terra firme que, pela 'ob'l·a que que?' ainda agora conthenuar•, novamente achar. Nesta carta fez-se referência a trabalhos anteriores de Gaspar Côrte-Real, com homens e navios, à sua custa, para o descobrimento de « algumas ilhas e ter a firme • .

Não podemos deixar de deduzir daqui que obedecendo ao mesmo espírito de forte suspeita sobre a existência de terras no Atlântico Ocidental, desde a concessão feita por D. Afonso V em 1457, ao Infante Fernando, até às concessões de 1475, a Telles, e a de 1489. a ,João do Estreito e DulmoGaspar Côrte-Real já, antes de 1500, tentara também a navegação em busca das terras do Ocidente.

 
Como estes navegadores são em espírito açorianos, deduz-se que era exactamente nos Açores onde a suspeita das terras de Oeste era. mais forte, fundada naturalmente no facto de lá irem dar à costa frequentes vezes detritos vegetais, que a corrente do Gulf-Stream trazia. do Golfo do México. Daquela carta de D. Manuel pode deduzir-se que 
Gaspar CôrteReal foi o primeiro navegador ocidental bem sucedido nas pesquisas, porque a sua insistência em as continuar à sua custa é sinal de já ter encontrado algumas terras novas.

 
Um outro documento, mencionado por 
Varnhagen em 1854, revela-nos que, em 21 de Abril de 1501, G. Côrte-Real recebeu dos fornos nacionais 72 quintais e meio (290 arrobas) de Bizcoyto, a que hoje se chama bolacha de embarque. Côrte-Real só partiu, portanto, cerca de fins de Abril, para a viagem de 1501, da qual não voltou. Aquela quantidade de biscoito, dividida por três navios, aos quais não podemos atribuir uma tripulação total muito inferior a cem pessoas, representa mantimentos para cerca de três meses; de onde se deduz que, desta vez, Gaspar Côrte-Real já não ia à aventura, mas em demanda de terras de recursos, conhecidas.

Há ainda no  Esmeraldo de Duarte Pacheco, a vulgarizada afirmação de que, em 1498, D. Manuel «mandou descobrir ha parte ocidental», onde há uma grande terra firme com muitas e grandes ilhas adjacentes, que se estende a mais de 70 graus de latitude Norte e, no hemisfério Sul, a mais de 28 graus, sem se lhe conhecer o fim, está situada «além todo o oceano, ao Ocidente de Portugal e de terra, antes não navegada, pelos navios de D. Manuel e, dente em Veneza, uma carta na qual se refere a dois dos navios de Gaspar Côrte-Real chegados a Lisboa poucos dias antes. 

Relata que se tratava das caravelas que no ano passado (1500) D. Manuel enviara à descoberta de uma terra ao Norte. Fora encontrado a 2000 milhas de Lisboa, entre o Noroeste e o Oeste, um país completamente desconhecido, do qual teriam percorrido 600 ou 700 milhas de costa, sem lhe encontrar o fim, pelo que julgaram tratar-se de terra firme. 

Esta terra seria continuação de outra encontrada , l'anno passato, (1500 ?) ao Norte,.na qual não teriam podido desembarcar por causa dos gelos. Por indicação dos grandes rios encontrados, os navegadores julgam-na, não uma ilha, mas um grande continente, muito povoado, ligado com as Antilhas e o Brasil. Aqueles navios teriam trazido para Lisboa cerca de cinquenta pessoas, entre homens, mulheres e crianças, de aspecto semelhante a ciganos.

 Pasqualigo faz referência  a duas viagens de 1500, uma, na qual se descobriu terra ao Norte, e outra, a dos navios chegados em 1501, com índios. 

Deve haver confusão porque sabemos que em 1500 houve só uma viagem, e em 1501 outra, tendo ambas sido iniciadas no verão e tendo durado poucos meses. Existia também, em Lisboa, possivelmente como comerciante, um italiano, Alberto Cantino, que escrevia ao Duque de Ferrara. 

Na sua carta, de Outubro de 1501, conta a chegada dos navios de Côrte-Real, enviados ao Norte, nove meses antes. A relação que faz da viagem, é em parte fantástica: de Lisboa teriam navegado durante quatro meses seguidos na mesma direcção; só no quinto mês encontraram massas de gelo que os não deixam prosseguir.

Depois navegam mais três meses para Noroeste e Oeste, até que, entre estas duas direcções, avistaram um grande país, com muitos rios grandes.

Em terra havia frutos excelentes e pinheiros de tal dimensão que seriam grandes para mastros do maior navio. Havia lobos, tigres, etc. Apoderaram-se de cerca de 50 habitantes, que Cantino viu em Lisboa.

O navio teria feito a viagem de volta em um mês, sendo a distância directa, até Lisboa, de 2800 milhas. Aparte o exagerado dos sete meses ao mesmo rumo, sem tocar em terra; ambos estes correspondentes julgam que os navios de Côrte-Real voltavam de uma viagem iniciada, ou no fim de 1500 ou no princípio de 1501, quando é de supor que Gaspar Côrte-Real, já conhecedor de que as terras livres para os descobridores portugueses se encontravam em altas latitudes, não iria iniciar as suas viagens no inverno, mas sim no verão.

Assim aconteceu também com as viagens de 1502 e 1503 em busca de Gaspar Côrte-Real e de Miguel Côrte-Real.

Parece que ambos aqueles correspondentes italianos foram vitimas de informações falsas, sendo a viagem de 1500 aquela em que se descobriu  na terra defendida por gelos a Gronelândia das cartas da época -e a de 1501 aquela da qual consta o abastecimento de bolacha em Abril, e que era já para uma terra em parte conhecida, a Terra Nova dos já citados mapas da época.

Mas há um outro documento que fornece informações mais concretas, por serem geométricas, sobre as viagens à América do Norte, anteriores a 1502.

Aquele mesmo negociante italiano, Alberto Cantino, pelo qual se .conhecem informações, sobre as viagens portuguesas, dirigidas ao Duque Ferrara, enviou-lhe de Lisboa, em fins de 1502, um grande planisfério de dois metros de comprimento que ainda hoje existe - no qual, há maneira usada nos portulanos, estava desenhada a parte então conhecida da Terra.

O seu título é: «Carta da nauigar per le isole nouamente tr ... » O portulano foi, sem dúvida, desenhado em Lisboa. Ele inclui pretensas descobertas espanholas a Leste do Amazonas, porque no Cabo Santo Agostinho estão desenhadas as quinas e a Nomenclatura -espanhola está toda para Oeste do meridiano de Tordesilhas; l'e produz a hidrografia portuguesa, derivada das viagens de Vasco da Gama, de Cabral, com a volta a Lisboa de Gaspar Corrêa, e até a viagem de 1501 ao Brasil, pois além da Baía de Todos os Santos  apresenta ao Sul um cabo correspondente ao Cabo Frio, e a ilha Quaresma ? (Fernando Noronha).

Neste portulano são frequentes as expressões portuguesas, e são várias as legendas em português. Entre as Antilhas, a nota 'Has antilhas dei Rey de Castella », é também uma expressão essencialmente portuguesa, porque foram os portugueses, e não Colon, quem primeiro aplicou àquelas ilhas o nome actual, derivado da Antília dos mapas antigos. Não podemos portanto duvidar de que o portulano, chamado de Cantino, concentra o que se sabia em Lisboa sobre as viagens, quer de nacionais quer de estrangeiros.

Mas o que lá aparece de novo não pode deixar de ser considerado como resultado da recente hidrografia portuguesa, e não de viagens espanholas clandestinas, das quais em Lisboa não podíamos conhecer o que faziam espanhóis, os quais, de resto, nessas viagens sem licença, não faziam hidrografia. 

A ilha de Cuba foi copiada das cartas de origem espanhola, como a de La Cesa, pecando a sua latitude pelo mesmo erro de La Cosa e de Colon, pois «é tan alta como en Castilla'. No portulano está também, às 370 léguas previstas pelo tratado de Tordesilhas, desenhado o meridiano que separa as duas zonas de expansão marítima, definido pela expressão portuguesa: «Esta he o marco dantre castella e portuguall » Três terras aparecem pela primeira vez, desenhadas neste portulano:

-Ao Norte a Gronelândia) cuja costa foi reconhecida na extensão de 350 léguas. A sua forma aproxima-se da verdade. A latitude da sua ponta sul é 63°, ao passo que a real é 60°. Esta terra tem as quinas e uma legenda, que mostra tratar-se de uma descoberta portuguesa, não tendo os mareantes lá desembarcado. Afirma tratar-se da. ponta da Asia.

-A Terra Nova) cuja latitude real varia entre 47° e 52°, ao passo que no mapa ela aparece aumentada a mais do dobro, pois varia. entre 50° e 62° Norte. Esta terra -já com forma de ilha- está toda desenhada para Leste do marco quando realmente a Terra Nova tem a sua costa mais Leste na longitude 53 graus, isto é, 5 graus a Oeste da jaya.

Na dúvida antiga sobre as verdadeiras longitudes, assim mandava a boa política; uma legenda do mapa, conta que foi Gaspar Côrte-Real quem a descobriu, tendo mandado a. Portugal « homes e mulheres», mas freando lá com outro navio; nunca mais veio. 'Aqui há muitos mas tos». De facto, é esta a primeira vez que a Terra Nova aparece cartografada como ilha, como ela realmente é. A sua nomenclatura é portuguesa, como o mesmo Cabo Raso de hoje, na ponta Sueste.

I- Enfim, ao Norte da ponta Oeste de Cuba, começa no mapa uma terra, a qual, tanto pela sua nítida identificação com a península da Flórida, como pela abundância de nomes, sugere forte indicação de uma visita real de navios ao continente Norte-Americano. E o Cabo que no mapa corresponde à ponta da península, indica que se trata de uma viagem de inverno. Enfim, as setenta léguas, que a península tem de Norte a Sul, cito aproximadamente a diferença das latitudes reais da Flórida.

As três saliências características da costa ao Norte da Flórida, os cabos HaterrasCod e Breton, têm no mapa são visivelmente a mesma posição e os nomes: Cabo SantoCabo da boa ventura e Costa del mar bravo
Outros pontos têm também nomes portugueses, como Cabo do MontinhoCosta Alta, etc. 

O desenho da península da Flórida, com as suas setenta léguas, de Norte a Sul, aproxima-se da dimensão real; o mesmo acontece à diferença de latitude entre os dois pontos extremos da costa norte-americana da carta de Cantino, que é de 21 graus em lugar de 22 graus.

O erro capital do mapa antigo está na latitude da ponta Sul da Flórida realmente de 25 graus, em lugar dos 38 de Cantino. Da mesma maneira, está errado o desenho da costa ao Norte da Flórida, a qual está traçada Norte-Sul, quando ela realmente corre ao Nordeste. O crítico é levado a concluir que os navegadores que, de facto, visitaram aquela costa e trouxeram dela informações verdadeiras, nunca poderiam cair em tais erros.

Assim, apesar da origem portuguesa da carta, ela não deve ter sido copiada dos mapas oficiais, os quais havia forte razão para reservar: aquela navegação fora, em grande parte, evidentemente além do meridiano de Tordesilhas, e portanto no hemisfério reservado à Espanha.

A cópia, da qual os desenhadores particulares extraíram o mapa de Cantino e os outros posteriormente enviados para o estrangeiro, derivou de informações não oficiais, ou provavelmente tendenciosas; e assim:

-A Terra Nova foi deslocada cerca de cem léguas para o lado da Europa, afim de ficar toda dentro da zona portuguesa;

- A Flórida e a costa americana foram arrumadas ao Norte de Cuba, pelo que ficaram sofrendo do mesmo erro espanhol nas latitudes das Antilhas.

E a costa girou para Norte, talvez para a afastar da Terra Nova, a fim de dar aos primeiros descobridores espanhóis a impressão de que a Terra Nova, exageradamente a leste da Flórida, era sem dúvida portuguesa.

Qual a origem destas informações, sobre um reconhecimento, só conhecidas em Lisboa? Não se pode tratar da viagem de João Cabotto, da qual, nem nos mapas de La Cosa, nem nas suas notícias, há referência à Terra Nova ou à Flórida. Tão pouco podem aquelas informações derivar da famosa primeira viagem de Vespúcio, em 1498, a qual, pela sua completa inverosimilhança, está fora da questão.

De resto, não se encontra possibilidade de Vespúcio ter passado para o Norte das Bermudas; e, para mais, tendo a viagem sido feita, ou inventada, a bordo de um navio espanhol, não se poderia ignorar em Espanha a existência da península da Flórida, que falta no mapa de La Cosa.

E tanto assim é, que ·a costa em discussão, apesar de estar cerca de 300 léguas a Oeste do marco, não tem bandeiras espanholas. Ainda mesmo que os descobridores tivessem sido navegadores espanhóis clandestinos, não deixariam de informar o Rei de Espanha àcerca de tal sucesso, pelo qual ele os premiaria. 

De resto, é certo que esta parte da costa era desconhecida em Espanha, porque a Flórida só foi visitada por Ponce de Leon em 1512, sendo a visita considerada como descoberta (oficial), recebendo então a costa nomes geográficos diferentes dos do mapa de Cantino. De tudo se conclui que esta parte da costa norte-americana, incluindo a Flórida, só era conhecida em Lisboa, onde foi copiada para Cantino, não provavelmente de padrão oficial, mas de decalques menos regulares. 

E ela tinha sido descoberta, não por espanhóis ou outros, mas por portugueses. E, sem grande esforço de generalização, pode conjecturar-se, com toda a probabilidade de acertar, que a Gronelândia, a Terra Nova, a costa da nova Escócia e, enfim, a Flórida, são descobrimentos em resultado dos esforços do único navegador português que, no Atlântico Norte, se mostrou capaz de viagens tão extensas: Gaspar Côrte-Real.


Em resumo:

Chegaram até nós informações de haver na península antigas suspeitas, muito fundamentadas, da existência de terra a Oeste. Daqui se originaram várias concessões de licenças para ir descobrir essas terras.

Já em 1452Diego de Teive, navegara ao Sudoeste dos Açores, sem nada lá encontrar. 

Em Maio de 1486Fernão Dulmo e João do Estreito obtiveram de D. João lI "mercee e real doacam das -ilhas ou terra firme que lograssem descobrir, navegando além dos Açores cinquenta  ou mais dias". Daquelas mesmas suspeitas resultaram as viagens de Cabotto e de Colon. Mas estas viagens, muito pelo Sul, não desfizeram as suspeitas portuguesas acerca das terras ao Ocidente dos Açores.

Contudo, sabia-se que Colon navegara mil léguas além das Canárias, e só aqueles que estivessem decididos a uma navegação tão larga poderiam tentar a aventura. E ainda teriam de navegar por conta própria, porque o Rei se desinteressava das navegações que não diziam respeito ao comércio da Índia, ou um pouco ao da Terra  de Santa Cruz.

Para mais, o tratado de Tordesilhas, limitando a zona dos descobrimentos portugueses, no Atlântico, pelo meridiano que passava só 370 léguas a Oeste das ilhas do Cabo Verde, reduzia as esperanças de sucesso no Atlântico Norte aos navegadores portugueses.

Eis a explicação de só haver indicações seguras de um navegador português Gaspar Côrte-Real,  ter tentado depois de Colon a aventura da busca das terras a Oeste dos Açores.

Dominado Gaspar Côrte-Real por esse antigo desejo dos açorianos, ele teria decidido clandestinamente, por causa do Tratado com a Espanha, tentar também a viagem ao Ocidente, esperançado em  encontrar terra ao Norte das Antilhas - as quais se sabia estarem a mais de quinhentas léguas dos Açores no campo livre, onde não estavam operando os navegadores espanhóis, entretidos na exploração do continente descoberto por Colon em 1498, que é hoje a América do Sul.

 Em Portugal sabia-se que eles estavam passando todos por Cabo Verde, donde rumavam ao Sudoeste.

O vestígio mais acentuado que existe dessas viagens anteriores a 1500 é o que se deduz da carta datada de 2 de Maio de 1500, pela qual D. Manuel, concede a Gaspar Côrte-Real, jurisdição sobre todas as ilhas que ele descobrir, reconhecendo D. Manuel que ele «em dias passados trabalhou à sua custa com navyos e homes » para  busca e descobrimento, algumas ilhas e terra firme.

 Houve portanto uma viagem, provavelmente no ano anterior, da qual o sucesso foi fraco, embora Côrte-Real tivesse descoberto terras.

 Parece subentender-se que tais terras eram além do marco e portanto inúteis a Portugal.
Não deveria 
Côrte-Real ter hesitado em buscar terras ao Norte das Antilhas (Caraíbas), por se saber que os espanhóis andavam explorando ao Sul.

Nesta primeira viagem, ignorando-se ainda qual o regime dos ventos nos mares de Oeste, e conhecedor Côrte-Real, como os açorianos, dos ventos ali de Oeste dominantes, e dos temporais que com frequência de lá vinham, natural era que, prudentemente, partisse no fim do inverno, para contar com a boa estação de primavera e de verão, para as suas explorações do mar de Oeste até então desconhecido.

Além disso, ele não poderia deixar de obedecer à antiga norma, que fez a superioridade das navegações portuguesas: procurar o mais vantajoso caminho marítimo para a região onde se pretendia buscar terras. Assim, Côrte-Real começaria por ganhar Oeste pelas latitudes ao Sul das Canárias, onde era sabido que se encontravam ventos dentre Norte e Leste, que permitem rapidamente navegar para o Poente. 
Foi provavelmente desta maneira que ele foi encontrar terra ao Norte de Cuba, a Flórida; tê-la-ia então ido contornando por a julgar uma ilha, dando-lhe a nomenclatura que hoje lemos na carta de Cantino. A' ponta da Flórida teria dado o nome - tão repetido nos mapas antigos -Cabo do fim de .Abril.

 Ele teria pois tentado dar a volta àquela terra que supunha uma ilha; mas afastava-se para Oeste, pelo golfo do México, e, afastado já algumas centenas de léguas do meridiano, ter-se-ia visto obrigado a desistir e a voltar para Oeste. Cem léguas ao Norte daquele Cabo de Abril a costa começou francamente a orientar-se para Leste, e Côrte-Real tê-la-ia contornado a seguir, na, esperança dela atingir o meridiano em que o Atlântico voltava a ser português. Ele teria assim ido reconhecendo a costa do Continente, coberta pela nomenclatura da carta de Cantino; e, navegadas cerca de quinhentas léguas, teria sido atingido o actual Cabo Breton, ao qual teria chamado costa do  bravo.

Ali de novo a terra virava para Oeste e é natural que Côrte-Real, depois de a seguir alguns dias, a tivesse abandonado, encontrando depois a costa Sudoeste e Sul da Terra Nova, até ao Cabo Razo
Mas a viagem ia adiantada, e dela já resultavam elementos, visto que havia a impressão de se ter chegado a terras novas no mar português. Escasso, provavelmente, de recursos, 
Côrte-Real iniciara a viagem de regresso.

Nesta viagem, feita já no verão, ele teria reconhecido os ventos então dominantes ao Noroeste dos Açores, os quais, sendo do Sudoeste, permitiam fazer por ali uma nova viagem de exploração; e reconhecera também que a terra de Oeste, donde vinham parar aos Açores os detritos vegetais, existia, sim, mas estava duzentas ou trezentas léguas além da 't'aya.

 Embora descoberta por portugueses, aquilo era terra espanhola! 

O resultado desta primeira viagem, fora prometedor: interessara D. Manuel, que lhe deu a carta de jurisdição, sem receio dos protestos de Espanha, por se tratar de buscar terras das que, pelo Tratado de Tordesilhas, eram portuguesas. E os amigos de Gaspar Côrte-Reais, entre os quais seu irmão Miguel, forneceram fundos para o armamento dos navios. Assim ele teria partido de novo em Maio de 1500, com duas caravelas aquelas a que se referem Galvão e Pasqualigo- no bordo do ocidente.

Porque desta vez, já conhecedor dos ventos gerais a Oeste dos Açores, e partindo no verão, Côrte-Real já conhecia as possibilidades da viagem directa e não pelo Sul para o ponto da costa onde no ano anterior interrompera. o seu reconhecimento, costa. que não ficava a. Oeste, mas a. Noroeste dos Açores.

É esta a derrota hoje usada pelos lugares da pesca do bacalhau, que partem, geralmente, também no princípio de Maio. Mas uma persistência de ventos de Sudoeste, vulgares ali no verão, tê-lo-ia obrigado a prolongar a bordada do Noroeste, e assim Gaspar Côrte-Real fora descobrir a costa Sueste da. Gronelândia, à qual se referem as cartas de Pasqualigo e de Cantino, e que no mapa deste último aparece como descoberta. portuguesa..

Essa terra. era defendida por gelos só dela se tendo aproveitado a água. doce.

Convencidos de que esta terra, até ali desconhecida, estava na zona atlântica portuguesa foram-na seguindo até à ponta Sul e, contornando-a., continuaram para. o Noroeste.

Mas era uma terra desolada, e muito fria para. poder ser aproveitável.

 Depois de a terem acompanhado durante cerca de trezentas léguas e talvez mesmo sem lá se ter desembarcado, de acordo com o que se lê na. carta de Pasqualigo -convencido de que se tratava de uma. ponta da .Ásia (vindo, não do Ocidente, mas do Norte, por cima do pólo ), Gaspar Côrte-Real decidiu virar ao Sudoeste, em busca da continuação da. terra encontrada no ano anterior.

Despreocupado da fantasia de um novo caminho para a. Índia por ali, à mercê dos ventos tão variáveis, que ali dominam, rapidamente Gaspar Côrte-Real teria atravessado o actual estreito de Davis e, após navegação de menos de cem léguas, a costa do Canadá, hoje chamada do Labrador teria sido descoberta. 
Como esta costa corria a Sueste, aproximava-se do campo das descobertas aberto aos portugueses. 
E seguindo ao longo dela, da costa Leste da actual New-Foundland-de acordo com o mapa de Cantino, e com as numerosas informações antigas, nos cinquenta graus de altt6'l'a~ de 
António Galvão -a Terra Nova, depois chamada Terra dos Côrte-Reais, teria sido descoberta, se é que a sua costa do Sul não o fora. já, pelo mesmo Gaspar Côrte-Real, na sua viagem do ano anterior.

Ali encontravam-se recursos, frutas, muitos rios, madeira boa para mastros e vergas. Mas o inverno aproximava-se, e de novo Gaspar Côrte-Real se viu obrigado a retirar para os Açores.

Desta vez trazia melhores informações: tudo que havia a Oeste fora reconhecido, desde a Flórida à Gronelândia, nas suas duas viagens.

 Aquela terra que mais probabilidades tinha de poder pertencer a. Portugal à qual ele pôs o nome de Terra Verde- era de clima relativamente temperado, era povoada e susceptível de ser ocupada por portugueses. O enigma do Ocidente, da Ilha das Sete Cidades, estava agora desvendado!

Depois deste resultado concreto, no ano seguinte, 1501, 'desejoso de descobrir mais desta província e conhecer melhor o modo do trato, partiu de Lisboa Gaspar Côrte-Real, em Maio, conforme conta Damião de Goes, e embora contra as informações de Cantino e Pasqualigo, que ligam as duas viagens de 1500 e 1501, falando em uma fantástica navegação de sete meses sem local nem terra. Levava, como se conclui do recibo ainda existente, bolacha para três meses, para os três navios que o acompanhavam. Já não ia a descobrir, mas a explorar a costa, e podemos admitir que, sabido que a Ilha da Terra Nova  toda desenhada a oriente do meridiano de Tordesilhas, no mapa de Cantino tem de perímetro apenas trezentas léguas, Gaspar Côrte-Real, pelo menos desta vez, a teria contornado completamente.

Mas da viagem de 1501 só dois navios voltaram, com meio cento de índios, habitantes de uma terra a cerca de 600 léguas de Lisboa, e que era 'continuação da terra descoberta o ano passado ao Norte', escrevia Pasqualigo. 
Eram estes os primeiros norte-americanos que vinham à Europa.

Gaspar Côrte-Real nunca mais voltou; e, procurado em 1502, por seu irmão Miguel- assim como os dois foram procurados em 1503, por ordem de D. Manuel tão pouco houve notícias deles.Somente, da insistência com que os buscaram, podemos deduzir que se sabia onde tinham ido.

Recentemente, perto de Providence, apareceu uma inscrição na Pedra de Dighton- da qual o professor americano Delabarre concluiu que Miguel Côrte-Real ali estivera governando os índios.

É' de conjecturar que ele lá se demorasse em busca do irmão, e talvez continuando as suas explorações, de acordo com a carta de D. Manuel, de Janeiro de 1502, que lhe concedia participação nas descobertas do irmão, e nas outras que fizesse.

Um naufrágio tê-lo-ia impedido de voltar; e a sua influência e os seus recursos poderiam tê-lo feito rei de uma colónia de índios, vassalos de Portugal.

Se a descoberta do continente norte-americano, por ser mais de 370 léguas a Oeste do Cabo Verde, foi inútil para Portugal; se a descoberta da Gronelândia com o seu clima, os seus nevoeiros e os seus solos, foi desprezada. . . já o mesmo não aconteceu com a chamada Terra dos Corte-Reaes- hoje New Foundland-terra Nova que, durante cerca de um século, teve estabelecimentos portugueses, e foi uma capitania nossa.

Mas Portugal não podia açambarcar o Mundo: esta (descoberta da América do Norte, por Gaspar Côrte-Real foi-nos inútil, porque a América Portuguesa era o Brasil, e colossal foi a obra que, durante três séculos, os portugueses lá realizaram.

Assim concluo este meu ensaio de aplicar ao estudo das viagens dos Côrte-Reais a técnica náutica. 
E solicito dos estudiosos a sua atenção, para as conjecturas com que contribuo para a Homenagem que devemos a esses grandes navegadores, dois dos muitos que não voltaram a ver a Serra de Sintra, sem que, contudo, os seus descobrimentos, nos quatro quadrantes do Atlântico, deixassem de contribuir para nossa Glória e Grandeza do pequeno pais em que nasceram.

 Portugal. Lisboa, 1933- Maio e Junho. Gago Coutinho