quinta-feira, 24 de março de 2011

terça-feira, 22 de março de 2011

O Poder Naval Português no Indico séculos XV-XVIII


O Poder Naval Português no Indico séculos XV-XVIII
Em actualização...

fonte:
http://marinhadeguerraportuguesa.blogspot.pt/2014/04/a-rota-da-india.html

Em 1497-1498, a armada capitaneada por Vasco da Gama ligou, pela primeira vez na história da Cristandade, a Europa Ocidental e a Ásia por via marítima, contornando o continente africano. A chamada rota do Cabo tornou-se, dessa maneira, a primeira ligação inter-oceânica dos Tempos Modernos e assumiu o carácter de carreira comercial anual com a viagem da armada de Pedro Álvares Cabral, saída do Tejo em Março de 1500. A partir de então, salvo em situações excepcionais, institucionalizou-se um regime anual para a partida de embarcações de Lisboa com destino ao Oriente, em particular até aos portos do litoral da Índia, que atravessou mais de três séculos. A Carreira da Índia, com maior ou menor fortuna, atravessou as várias idades do império colonial português, marcando os seus tempos mais áureos e assistindo ao seu quase completo declínio. No espaço que se segue procura-se apresentar uma panorâmica global das características e evolução histórica da Carreira da Índia, desde a viagem inaugural do Gama até ao final do século XVIII quando, após um século em que se limitou a ser uma simples memória de um passado glorioso, ensaiou um breve renascimento.

O Trajecto da Rota do Cabo
A rota seguida pelas naus da Índia, a partir de 1500, apresentou um padrão-base ao qual, ao longo dos tempos, apenas foram feitas alterações ocasionais, como resposta a condicionalismos particulares relacionados, principalmente, com questões de segurança. O modelo estabelecido no início do século XVI foi condicionado pela necessidade de ultrapassar os obstáculos naturais decorrentes de uma viagem tão longa, que exigia a articulação entre condições de navegação muito diferentes, em latitudes e longitudes bem diversas. O rumo inicial, após a saída da barra do Tejo, era no sentido do arquipélago de Cabo Verde "inflectindo daí para sudoeste, de modo a contornar o anticiclone centrado no Atlântico Sul numa derrota em arco que as levava a aproximar-se da costa brasileira, a sul do Cabo de Santo Agostinho"; a partir desse momento as naus viravam para sueste, encaminhando-se para a zona do Cabo da Boa Esperança. Esta fase do trajecto era normalmente cumprida sem qualquer escala, salvo circunstâncias de força maior que levassem à necessidade de arribar. Nas primeiras décadas da Carreira, a ilha de Santiago era aconselhada como escala em caso de extrema necessidade, mas a sua utilização nunca se terá verdadeiramente generalizado, tornando-se recurso esporádico com o avançar dos anos. Após a ultrapassagem do Cabo, que era um dos momentos potencialmente mais arriscados da viagem, podiam surgir algumas alternativas quanto ao caminho a tomar. A regra desejada e recomendada pelas autoridades era a da chamada viagem por dentro da ilha de São Lourenço, ao longo do canal de Moçambique até à altura das ilhas Comoros, quando se fazia uma inflexão para nordeste, em direcção aos portos do litoral indostânico. Este era um percurso algo perigoso, em especial nos primeiros anos da rota, em virtude da deficiente cartografia da região e da presença de correntes, baixios, rochedos e ilhéus mal conhecidos. Apesar disso, seria este o caminho insistentemente recomendado pela Coroa como o mais aconselhável ou mesmo obrigatório. Uma das suas vantagens era a possibilidade de fazer escala em Moçambique, o que servia tanto para resolução de necessidades dos navios e tripulações (reparação, aguada, reabastecimento de víveres), como para assegurar um canal de comunicação directa e regular entre Lisboa e a costa oriental africana. A alternativa a este trajecto era a chamada viagem por fora da ilha de S. Lourenço, através do Índico Central. Em termos estritamente técnicos esta opção acarretava vantagens e inconvenientes; por um lado, permitia escapar à rigidez do regime de monções e uma maior rapidez no trajecto mas, por outro, implicava uma navegação sem escalas de apoio e com escassos pontos de referência. Embora em meados do século XVI se estudasse a alteração do trajecto e calendário das viagens, e a opção do caminho por fora chegasse a ser considerada, nada veio a ser efectivamente alterado. O peso das rotinas estabelecidas sobre os desejos de inovação e a influência económica negativa para Moçambique da mudança da rota terão sido as principais razões para a secular manutenção do trajecto tradicional. Quanto à viagem de regresso a Lisboa (a torna viagem) as alternativas que se punham também eram na fase de navegação no Índico. A rota inicial era quase simétrica à da viagem de ida por dentro de São Lourenço. No entanto, a navegação pelo canal de Moçambique enfrentava obstáculos maiores do que na viagem de ida, sendo necessário ultrapassar ventos e correntes desfavoráveis. Para além disso, as vantagens logísticas de uma escala em Moçambique eram menos evidentes, pelo que este trajecto seria preterido em favor de um regresso por fora de São Lourenço. Neste caso, a partir de meados do século XVI existiram duas possibilidades (a da chamada carreira velha e a da carreira nova). Contudo, a partir das primeiras décadas do século XVI, as autoridades voltaram a recomendar o trajecto pelo canal de Moçambique em virtude da crescente presença holandesa no Índico Central, por onde passava a rota das embarcações da VOC, em trânsito entre o Cabo e o sueste asiático. Continuando a viagem de regresso, após a ultrapassagem do Cabo, as naus seguiam em direcção às ilhas de S. Helena (usada longamente como escala para aguada, até momento em que os holandeses a usavam como ponto de apoio para o corso) e Ascensão, continuando até ao arquipélago de Cabo Verde. A norte destas ilhas, iniciava-se a chamada volta pelo largo até à zona dos Açores, de onde se dirigiam para a costa portuguesa. Para além de S. Helena, a principal escala das armadas portuguesas ao longo do século XVI foi a do porto de Angra na ilha Terceira, onde foram criadas estruturas para apoio aos navios e tripulações que aí chegassem em piores condições. Só numa fase mais tardia e de declínio da história da Carreira, em pleno século XVII, se tornou habitual o recurso a escalas na costa brasileira para o completar o carregamento das naus e fazer outros negócios que tornassem mais rendíveis as viagens pela rota do Cabo.

O Calendário das Viagens
De acordo com o padrão dominante, e apesar de algumas excepções notáveis às regras estabelecidas, as naus com destino à Índia deviam sair do Tejo nas últimas semanas do Inverno ou no começo da Primavera, ou seja, entre o início de Março e meados de Abril. A partida nesta data era a melhor para se aproveitarem ventos favoráveis no Atlântico e, chegadas as naus ao Índico, beneficiarem da monção de sudoeste para rumarem à costa ocidental da península indostânica, a partir do momento em que completavam a viagem por dentro do canal de Moçambique. Em situações normais, as naus ultrapassavam o Cabo da Boa Esperança em Junho, chegando em finais de Agosto ou Setembro a Goa ou Cochim, se tudo corresse sem grandes contratempos. O problema nesta calendarização era que, para conciliar condições de navegação favoráveis no Atlântico e Índico, a passagem do Cabo se fazia em pleno Inverno, durante a época das tempestades mais perigosas. Se a partida de Lisboa fosse mais tardia, e a passagem do Cabo não se desse antes de meados de Julho, as naus não poderiam aproveitar a monção apropriada e seriam obrigadas a invernar num dos portos da costa oriental africana, nomeadamente no de Moçambique. Neste caso, a viagem só poderia ser completada quase um ano depois, no mês de Maio seguinte. Só na eventualidade de alguma emergência se recomendava que, feita passagem do Cabo muito tarde, se continuasse a viagem por fora de maneira a completá-la no mesmo ano. A permanência das naus no Índico, em circunstâncias normais, era de apenas três ou quatro meses até ao início da torna viagem. A partida de Cochim ou Goa devia acontecer em finais de Dezembro ou início de Janeiro do ano seguinte, para ser aproveitada a monção de norte que levaria as naus até ao Cabo, pelo canal de Moçambique ou pelo Índico Central. A passagem para o Atlântico aconteceria assim em Fevereiro, permitindo aproveitar ventos favoráveis que levavam normalmente as naus até Lisboa durante os meses de Julho ou Agosto, após a volta pelo largo até à zona dos Açores.

As Embarcações - Tipo e Dimensão
As informações disponíveis sobre as embarcações em trânsito pela rota do Cabo não são propriamente escassas, embora nem sempre sejam esclarecedoras. A terminologia utilizada na generalidade das fontes para designar os navios envolvidos na Carreira da Índia é ambígua, variável de acordo com os autores, as épocas e as circunstâncias. É dificíl estabelecer um critério de identificação dos navios minimamente rigoroso quando as designações de nau, naveta, galeão, urca ou patacho se sucedem e intercalam sem um padrão uniforme. Apenas a título de exemplo, refira-se a oscilação na utilização dos termos nau e galeão, quer ao longo do tempo, quer numa mesma época por diferentes tipos de fontes, no que se refere à sua relação com a tonelagem da embarcação em causa. Esta falta de uniformidade é também uma das principais evidências dos dados coligidos numa recente tentativa para sistematizar as informações disponíveis para os navios da Carreira no século XVI. Até 1540, o termo nau parece aplicar-se a um navio de maior porte do que o que é referenciado como galeão; segue-se um período de alguma indefinição até 1560, a partir de quando se inverte o sentido de ambas as designações. De acordo com a leitura de outros autores, a diferenciação entre naus e galeões teria uma natureza de ordem funcional, com implicações na arquitectura das embarcações. A nau seria uma embarcação fundamentalmente comercial, enquanto o galeão teria um papel mais activo do ponto de vista militar.  Por  tudo  isto, e  para  evitar equívocos, mesmo correndo o risco de uma excessiva simplificação, optou-se por recorrer neste trabalho à designação generalista de nau para referir, em princípio, todas as embarcações da Carreira da Índia, salvo menção expressa em contrário. Quanto à evolução da dimensão dos navios, contrariamente ao que se passa com o rigor terminológico, os autores coevos mostram-se bem mais esclarecedores. De acordo com testemunhos de autores como Gomes Solis, João Pereira Corte-Real, Estácio do Amaral e Severim de Faria, preocupados com as causas da decadência da Carreira em finais de Quinhentos e ao longo da primeira metade do século seguinte, a evolução tinha seguido uma trajectória bem clara. Nas primeiras décadas do século XVI, ainda sob o reinado de Dom Manuel I, as embarcações dificilmente ultrapassavam as 300-400 toneladas e só em casos excepcionais atingiam as 500 ou 600. Durante o reinado de Dom João III, perante as crescentes necessidades financeiras da Coroa, iniciou-se um processo  de aumento da dimensão dos navios que, em meados do século XVI, se começavam a aproximar das 1.000 toneladas. Este sobredimensionamento das naus visava o transporte da maior quantidade possível  de  carga  e, alegadamente, um maior poder intimidatório nos mares. No entanto, uma infeliz sequência de notáveis desastres ao longo da década de 1550, que muito impressionou a opinião pública e alguns espíritos mais esclarecidos e influentes, despoletou um movimento crítico em relação às consequências do excessivo carregamento das naus e à escassa funcionalidade de tão grandes navios. Contra isso foi produzida legislação durante o reinado de D. Sebastião, reduzindo-se a tonelagem média das naus da Índia. Contudo, à aproximação do final do século, sob o domínio filipino, reiniciou-se uma tendência para o aumento da capacidade dos navios, em parte devido ao arrendamento do trato da pimenta e do apresto das armadas a particulares, cujo objectivo primordial era a maximização dos seus proventos. À medida que o século XVII foi avançando, foram-se acumulando novamente os malefícios provocados pelo excessivo dimensionamento das naus e tornaram-se evidentes as suas consequências negativas para a Coroa. Para vários autores seiscentistas uma das razões para o declínio da Carreira da Índia estava na estratégia errada da construção naval portuguesa, que insistia em construir enormes "babilónias flutuantes" sem as necessárias medidas de segurança. O resultado destas críticas foi novamente a redução da capacidade média das embarcações para as 400-500 toneladas. Esta periodização, traçada fundamentalmente com base nos testemunhos dos autores da época, é parcialmente corroborada por outro tipo de dados, assim como por alguns dos resultados das investigações actuais. Maria Leonor Freire Costa apesar de utilizar uma amostra limitada, com informações parcelares e alguns lapsos cronológicos, tentou recentemente sistematizar os dados disponíveis. A leitura que resulta dos seus trabalho é um pouco menos linear do que a anteriormente proposta. Se é certo que se torna possível verificar um aumento da tonelagem média das embarcações até ao final do reinado de Dom João III, não pode esquecer-se a extrema heterogeneidade da capacidade das naus da Índia. Entre os dez navios aprestados em 1503, encontra-se um de 100 toneladas, um de 150, um de 160, um de 300, três de 350, um de 450, outro de 500 e um último de 700. Em 1537, por seu lado, numa amostra de nove casos, dois são galeões de 120 toneladas, três são naus de 150, um outro navio chega às 220, outros dois às 280 e o maior fica-se pelas 386 toneladas, o que corresponde a uma média claramente inferior à da amostra atrás citada. Entre 1550 e 1556 identificam-se três navios de 900-1000 toneladas (São João, São Bento e Graça), enquanto, finalmente, entre 1566 e 1589 apenas um galeão atinge as 750 toneladas, rondando os restantes as 400-500 toneladas. Muito mais linear parece ser a série de dados estabelecida por Bentley Duncan para a tonelagem total das armadas da Índia nos séculos XVI e XVII. De acordo com os valores propostos (tonelagem total e número de embarcações), a tonelagem média das embarcações saídas de Lisboa terá crescido continuamente ao longo de Quinhentos, das 283 toneladas em 1501-1510 às 1144 em 1591-1600. Esta leitura parece, todavia, ser excessivamente "geométrica" e pecar por alguma sobrevalorização das tonelagens potenciais das naus da Índia. Mais equilibrada e atenta às particularidades conjunturais de cada período histórico da Carreira, embora nem sempre sistemática, é a síntese proposta por Magalhães Godinho. No primeiro terço do século XVI a tonelagem mais comum rondaria os 400 tonéis, com uma variação entre as 350 e as 600; em meados do século a variação subiria para as 500-1000 toneladas. Em 1570 seria regulamentada uma tonelagem entre as 300 e as 450 toneladas mas aparentemente não foi completamente respeitada visto que no início do domínio filipino a capacidade corrente das naus era de 600 toneladas. Perto da viragem do século começariam a aparecer as enormes carracas de 1500 e 2000 tonéis, síntese, o crescimento da tonelagem média das naus parece ser um dado razoavelmente seguro para a primeira metade do século XVI, apesar da heterogeneidade de dimensões que é possível verificar entre a tonelagem das embarcações melhor conhecidas, normalmente entre as 200 e as 600 toneladas. Na década de 1550 as maiores naus atingiriam as 1000 toneladas. Na sequência de alguns grandes desastres tentar-se-ia inverter esta tendência para o sobredimensionamento dos navios com as determinações do regimento de 1570. No entanto, em finais do século voltaram a tornar-se comuns embarcações enormes, agora bem acima do milhar de toneladas, tendência que se prolonga pelas primeiras décadas do século XVII, até que uma nova sucessão de desastres e críticas aconselha novamente ao recurso a embarcações menores.

As Tripulações
O recrutamento dos meios humanos necessários ao primento das armadas da Índia foi um problema que cedo se levantou na história da Carreira. As questões punham-se quer no plano quantitativo, quer no qualitativo. A primeira situação a ultrapassar era, com frequência, a da falta de homens qualificados para servirem na tripulação de todas as naus que saíam anualmente de Lisboa para o Oriente. As necessidades em marinharia e soldadesca para o regular funcionamento da rota do Cabo e defesa das possessões do Estado da Índia, foram substanciais desde os primeiros anos do século  XVI, em especial se atendermos à magreza dos recursos demográficos de Portugal continental. Por isso se tornou rapidamente problemático o preenchimento das vagas existentes nas armadas com pessoal devidamente qualificado. A atracção exercida pelas hipóteses, reais ou ilusórias, de lucros fáceis e imensos nas terras do Oriente nem sempre eram suficientes para fazer esquecer a elevada mortalidade provocada por doenças e acidentes vários entre os homens embarcados. Diogo de Couto afirma que dos 4000 homens embarcados em Lisboa na armada de 1571 morreu cerca de metade. De acordo com Charles Boxer, apenas 2495 dos 5228 soldados embarcados em Lisboa nas armadas de 1629 a 1634 chegou a salvamento a Goa. Testemunhos semelhantes são-nos dados ainda pelos missionários jesuítas que seguiram nas armadas da segunda metade do século XVI. O padre Pedro Boaventura descreve de forma dramática as ocorrências vividas na nau em que viajou em 1565, na qual adoeceu a quase totalidade das pessoas, chegando a morrer uma média de 6 a 9 pessoas por dia. No início do século XVI, cada nau exigia uma tripulação que rondava a centena de homens, mas esse número duplicaria com a passagem das décadas e o aumento da dimensão das embarcações. Para além disso, era comum o embarque de gente de armas com destino às armadas e praças-fortes do Estado da Índia ou mesmo com a função de defender a armada em caso de ataque. O resultado era, com frequência, a existência de várias centenas de pessoas em cada navio. Em 1500, a armada com treze velas sob o comando de Pedro Álvares Cabral levava entre 1200 e 1500 pessoas, incluindo os soldados, de acordo com diversas fontes. Em 1501, a armada capitaneada por João da Nova levava entre 350 e 400 homens em quatro navios, numa média próxima dos 100 indivíduos por nau, valor que parece ter-se mantido nos primeiros tempos da Carreira. Nos anos seguintes, Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque, Lopo Soares de Albergaria, Francisco de Almeida e Tristão da Cunha chefiaram armadas com muita gente de guerra, mas cujos números por vezes não se sabe se incluem a gente do mar. De qualquer modo, em todos os casos embarcaram entre um e dois milhares de soldados, provavelmente para além da gente de mar. Em 1509, a armada do marechal Dom Fernando Coutinho levaria 3000 homens em apenas quinze navios, valores próximos do da terceira viagem de Vasco da Gama à Índia, em 1524. Em 1518, as nove naus da armada de Diogo Lopes Sequeira embarcaram entre 1500 e 1600 soldados, para além da tripulação, e em 1528 foram perto de 4000 os homens da armada de 13 navios que saiu de Lisboa sob as ordens de Nuno da Cunha. Esta média próxima dos 300 homens por navio seria repetida em 1531, com a armada de Pedro Vaz do Amaral a levar 1500 pessoas em cinco naus. Quando os perigos no mar devidos a acção inimiga se Avolumaram, tornou-se quase obrigatório o provimento das armadas com soldados, o que fez elevar com regularidade o número de indivíduos a bordo. No final do século os números tinham aumentado substancialmente; de acordo com Inácio Guerreiro e Contente Domingues a nau S. Filipe, em actividade na década de 1590, chegou a embarcar 196 marinheiros e 352 soldados. Em 1602 a nau S. Roque levaria um total de 583 passageiros e em 1605, numa armada de quatro galeões e uma nau seguiram para a Índia 1230 homens de armas e 575 homens de mar. A composição das tripulações era variada. Entre os cerca de 130 elementos que a compunham, de acordo com Luiz Figueiredo Falcão, podiam encontrar-se bombardeiros, carpinteiros, calafates, estrinqueiros, despenseiros, tanoeiros, para além dos marinheiros propriamente ditos e dos oficiais como o meirinho, o mestre, o piloto, o sota-piloto, o contramestre e o próprio capitão, não esquecendo o sempre importante barbeiro-cirurgião  e um capelão.  Como  as  baixas  eram frequentemente elevadas e a Carreira da Índia não era a única escápula ultramarina para os braços disponíveis no  Reino, era intenso o ritmo imposto ao recrutamento de novos homens para as armadas. A consequência de tal urgência era uma evidente falta de critério na selecção da marinhagem e a sua deficiente formação técnica para assegurar devidamente as funções que eram atribuídas à gente do mar. Muitos eram os marinheiros que embarcavam apenas com o objectivo de enriquecer rapidamente à chegada ao Oriente ou então que o faziam de forma muito pouco voluntária, o que explica muitas das lamentações produzidas quanto à sua baixa motivação e desempenho. Russel-Wood sintetiza assim as consequências deste tipo de recrutamento; falta de aptidões, inadequação física e degenerescência moral. As notícias sobre motins a bordo não são frequentes mas não deixam de surgir ocasionalmente. Em 1524, numa nau de armadores conhecida por Garça e capitaneada pelo maiorquino Gaspar a tripulação amotinou-se, matando o capitão, o mestre e o piloto, abandonando o resto da armada em que seguia para se dedicar à pirataria. Mais tarde, seriam capturados por António de Miranda, sendo conduzidos à Índia onde foram sentenciados à morte, por enforcamento. Mas as deficiências do recrutamento não se faziam sentir apenas ao nível da arraia-miúda responsável pelas tarefas mais árduas da navegação. Também ao nível dos capitães, pilotos, contramestres e outros cargos de maior responsabilidade se verificavam problemas. A nomeação para o cargo de capitão-mor das armadas foi desde cedo um monopólio da nobreza, funcionando como um título honorífico, não sendo para ele exigidas especiais qualificações técnicas, do ponto de vista dos conhecimentos de navegação. O facto de ser, por vezes, um posto duramente disputado não implicava necessariamente uma melhoria dos conhecimentos náuticos dos escolhidos. Como afirma Boxer, citando o padre António Vieira, o mais comum era que a grande maioria dos capitães da Carreira da Índia nunca tivessem visto mais água do que a do Tejo. Os fidalgos-marinheiros eram uma excepção à regra. Apenas nas naus de armadores particulares era mais usual encontrarem-se capitães de origem vilã, com maior experiência dos assuntos náuticos. Perante esta situação, a figura central da tripulação, em termos de navegação, era o piloto, verdadeiro responsável pelo (in)sucesso da viagem. Por isso, foi na selecção e formação dos pilotos que a Coroa teve maiores cuidados, dada a sua escassez à média que o tempo foi passando. No Índico, tornou-se comum o recurso a pilotos locais (árabes, guzerates ou hindus) como estratégia para ultrapassar o desconhecimento inicial da navegação na região. Por outro lado, à partida de Lisboa não era raro encontrarem-se nas naus portuguesas pilotos castelhanos, maiorquinos ou de outras nacionalidades mediterrânicas. As tentativas para tornar a profissão de piloto exclusiva de uma pequena elite, limitando a difusão dos conhecimentos e ocultando os seus segredos à concorrência estrangeira, não era facilmente conciliável com a existência de um corpo de pilotos em quantidade suficiente para prover com regularidade as armadas. Para além disso, a consciência da sua importância e as repetidas recomendações de secretismo, nem sempre ajudavam os pilotos a tornarem-se figuras especialmente simpáticas, facto de que se queixa, por exemplo, o viajante italiano Pietro della Valle que os acusa "de serem esses pilotos somenos comunicativos e mal dispostos a ensinar os outros". Quanto aos restantes oficiais, as principais dificuldades ligavam-se à sua deficiente formação e adequação às funções de responsabilidade que desempenhavam. Em virtude dos benefícios materiais que podiam colher na viagem (caso das caixas forras de fretes e direitos) eram muitos os candidatos que tentavam comprar as nomeações, de forma mais ou menos legal junto dos seus directos beneficiários, ou por via do suborno e corrupção dos funcionários da Casa da Índia.

O Recrutamento dos Capitães
Pela sua importância, o caso dos capitães da Carreira merece ser destacado e analisado de forma particular. De acordo com os dados de uma pesquisa ainda em curso é possível identificar, entre 1497 e 1700, cerca de 900 capitães diferentes no comando de viagens da Carreira da Índia. Este número inclui quer os capitães nomeados à partida de Lisboa, quer os que, em qualquer fase de uma viagem redonda, assumiram esse posto, substituindo o capitão original (por morte deste ou por qualquer outra circunstância). Capitães nomeados entre 1497 e 1700.

Nomeações
Um dos traços mais característicos deste conjunto de capitães relaciona-se  com o número de vezes  que  esta  função  de  comando  foi exercida por cada indivíduo. Com efeito, confirma-se a ideia corrente de uma "não-profissionalização" dos capitães das naus da Índia, pois apenas pouco mais de duas centenas (22,9%) surge por duas vezes e unicamente 51 (menos de 6%) são referenciados em três ou mais ocasiões. Mas, mesmo nestes casos, analisando com mais atenção as incidências de cada viagem, é possível verificar que, em várias situações, uma 2ª ou 3ª nomeação se segue a uma viagem não concretizada, por arribada, naufrágio ou bloqueio da barra de Lisboa. No total, apenas dois capitães completam efectivamente mais de três viagens: Sebastião de Sousa que faz quatro entre 1505 e 1521 e o mercador Vicente Gil que atinge um máximo de sete, entre 1521 e 1542.

segunda-feira, 21 de março de 2011

" arte africana "






Austrália o verdadeiro descobridor !

por:  José Manuel Azevedo e Silva da Universidade de Coimbra
fonte:http://marinhadeguerraportuguesa.blogspot.pt/2014/04/a-rota-da-india.html
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O verdadeiro descobridor da Austrália Diogo Pacheco, capitão-mor da primeira Expedição Portuguesa à Austrália, em 1519

A questão da descoberta da Austrália pelos europeus está envolta em poucas certezas e em muitas dúvidas, conjecturas, enigmas e mistérios. Mas há uma certeza de que ninguém hoje ousa duvidar (a não ser alguns espíritos pirrónicos):
A Austrália foi descoberta pelos portugueses.

Esta tese tem vindo a ganhar corpo e a robustecer-se, desde a segunda metade do século XIX, a partir dos estudos do Visconde de Santarém e do historiador inglês Henry Major  seguido de outros a que adiante aludiremos, culminando agora com o interessante e importante livro do jornalista australiano Peter Trickett.
A conquista de Malaca, em meados de Agosto de 1511, por Afonso de Albuquerque, e a imediata construção da sua fortaleza, constituiu a implantação de uma importante base portuguesa de apoio à penetração no Extremo Oriente e de descobrimento dos largos mares, com a sua imensidão de ilhas, que se estendem para Leste.
Do mesmo modo que do Tejo partia anualmente para o Oriente a chamada Armada da Índia, do porto de Malaca passaram a sair, igualmente em cada ano, expedições com o objectivo de desbravar os mares da China, do Japão, das Molucas, e do duplo cordão de ilhas que, como se viria depois a saber, ligavam naturalmente Malaca à Nova Guiné, à Austrália e à Nova Zelândia.
O primeiro cordão insular, mais a Norte, formado essencialmente pelas ilhas de BornéuCelebesMolucasBuruCeram até à Nova Guiné; o segundo, sensivelmente paralelo ao anterior e mais a Sul, constituído pelas alongadas ilhas de Samatra e de Java, continuadas por Bali, Lombok, Sumbava, Sumba, Flores, Timor, apontando naturalmente para a Austrália e para a Nova Zelândia.
Claro que tais expedições não tinham apenas o descobrimento como objectivo, visavam também o comércio e a recolha de informações.
Vejamos cada uma dessas expedições, ou melhor, aquelas que deixaram algum rasto nos trilhos da História.

Após a tomada da cidade de Malaca e da construção da sólida fortaleza, Afonso de Albuquerque regressou a Goa, em Dezembro de 1511.
Antes, porém, Albuquerque nomeou como capitão-mor de uma expedição de três navios o fidalgo madeirense (natural da Calheta) António de Abreu: na nau capitânia de Abreu, a Santa Catarina, seguia o piloto Luís BotimFrancisco Serrão capitaneava a nau Sabaia, com o piloto Gonçalo de Oliveira; o outro navio era uma caravela, comandada por Simão Afonso Bisagudo, levando consigo o arguto piloto-cartógrafo Francisco Rodrigues que, ao que se julga, logo após o seu regresso a Malaca, elaborou as suas preciosas cartas geográficas, que viriam a tornar-se mundialmente famosas, onde regista os espaços insulares descobertos, cartas essas inseridas no códice anexo à Suma  Oriental, de Tomé Pires, o qual será publicado conjuntamente com esta obra, em 1978, sob o título de Livro de Francisco Rodrigues segundo o relato de João de Barros e de António Galvão, é possível captar o itinerário desta frota.
Partindo de Malaca, os mareantes bordejaram a costa Norte de Samatra e de Java, colocaram um padrão em Agacim e, seguindo para Leste, descobriram, entre outras, as ilhas de MaduraBali, Anjano (Lombok), Simbaba (Sumbawa)Flores e daqui desviaram-se para Nordeste até BuruAmboino e Ceram.
Iniciaram o regresso, rumando a Sudoeste, pelas ilhas de GunuapéBanda (onde colocaram outro padrão e compraram cravo, maça e noz-moscada), LuciparaVitara (actual Wetar), Alor e Solor, voltando a partir daqui a Malaca, sensivelmente pelo mesmo caminho da viagem de ida.
Na nossa opinião, não é concebível navegar nas águas destas últimas ilhas sem tocar ou, pelo menos, avistar a ilha de Timor. Aliás, a ilha figura já, embora sem o topónimo inscrito, nos mapas do piloto-cartógrafo Francisco Rodrigues, desenhados em 1512. E, em 1514,escrevendo de Malaca para o Reino, Rui de Brito informava que Timor tinha muito sândalo, mel e cera.
Cremos que ninguém porá em causa se poder afirmar que estar em Timor é estar às portas da Austrália.
A expedição de António de Abreu regressou a Malaca em fins de Dezembro de 1512.
Tinha decorrido um ano que dali havia partido.
No dizer de Armando Cortesão, «estava descoberta a Australásia». Repare-se que Cortesão escreveu, em 1939, Australásia e não Austrália.
Henry Major, como vimos já, é que formulou a hipótese da descoberta da Austrália por António de Abreu, em 1512.
Contudo, se Major errou na Geografia, acertou no facto de pôr os portugueses na pista de descobridores da Austrália.
Como atrás se disse, o piloto-cartógrafo Francisco Rodrigues recolheu durante esta viagem as informações que lhe permitiram escrever o livro e debuxar os exemplares cartográficos dos mares e dos espaços insulares por onde a expedição de António de Abreu tinha passado.
Segundo Armando Cortesão, «são nove as cartas que Francisco Rodrigues desenhou, representando o Extremo Oriente: quatro abrangem a Insulíndia, de Malaca às Ilhas das Especiarias, e cinco as regiões para Norte, de Malaca aos Léquios, com todas as informações que o cartógrafo pôde colher sobre as ilhas e costas do mar da China».
Na sequência da viagem de António de Abreu, todos os anos partia de Malaca, como atrás se disse, uma expedição (alguns anos até mais que uma) a descobrir e senhorear os mares do Oriente.
Assim, em 14 de Março de 1513, saiu do porto daquela cidade uma armada constituída por três navios e uma caravela, sob o comando de João Lopes Alvim, com destino às Molucas, levando como escrivão e contador, dessa feitoria a instalar nas ilhas do cravo, o nosso conhecido Tomé Pires, autor da Suma Oriental.
A frota regressou a Malaca, a 22 de Junho desse mesmo ano de 1513, carregada com cerca de 1.200 quintais de cravo.
É o próprio Tomé Pires que na sua obra informa que a frota de Alvim visitou a costa de Java, tendo colhido informações directas das restantes ilhas até Timor e, para o Norte, até BandaAmboinoCeiram e Molucas.
Ainda no ano de 1513, após o regresso de Alvim, outra armada de três navios, comandada por António de Miranda de Azevedo, foi de Malaca às Ilhas das Especiarias.
No ano seguinte (1514), foi o mesmo mandado com uma nau à ilha de Banda, regressando com mais dois juncos carregados de especiarias.
Como vemos, a actividade náutica e mercantil portuguesa naquelas longínquas paragens e o esforço de domínio dos mares eram intensos e vão continuar.
Em 1515, partiu Álvaro Cocho com dois juncos para Maluco, tendo carregado, em Ternate, certamente cravo, regressando a salvo a Malaca.
Nesse mesmo ano, outros dois juncos, capitaneados por Francisco Pereira e Jorge de Lençóis, foram à ilha de Banda, mas perderam-se os juncos no regresso a Malaca. Como é natural, nem tudo corre de feição.
Há imprevistos, há riscos, há perdas.
Em 1516, foi Manuel Falcão com uma caravela e um junco a Banda. No ano seguinte, Simão Vaz foi num junco igualmente a Banda. Em 1518, partiu de Malaca D. Tristão de Meneses com um navio e dois juncos com destino às Molucas. Em 1519, foi Diogo Brandão enviado com vários juncos às Ilhas das Especiarias.
Em 1520, foram outros juncos enviados a Banda e às Molucas, sob o comando de António de Pina e Gonçalo Correia.
Com o que temos vindo a dizer, pretendeu-se vincar bem a ideia, já atrás enunciada, de que, a partir da conquista portuguesa de Malaca, em 1511, todos os anos saíram navios do porto daquela cidade-fortaleza a desbravar os amplos mares, estendidos a Leste, enxameados de ilhas.
E a cartografia portuguesa vai registando e representando esses novos espaços descobertos.
Além de Francisco RodriguesLopo Homem, no seu mapa-mundi, de 1519 (Atlas Miller), regista as principais ilhas nos vastíssimos mares a Leste e Sueste de Malaca. E uma carta do referido Atlas e da mesma data, atribuída a Lopo Homem – Reinéis, mostra Malaca com a sua imponente fortaleza e, no imenso mar aberto a Oriente, Sul e Sueste as ilhas de Taprobana (Samatra), Java MaiorJava MenorSundaBandaMaluco, além de uma imensidão de ilhas sem indicação de nome topográfico.
Disseminadas porto do este vastíssimo espaço marítimo-insular estão hasteadas oito bandeiras portuguesas, simbolizando o conhecimento e o senhorio lusitano daquelas partes do Extremo Oriente.
De todos estes espaços insulares, é notório que os portugueses concentraram, nessa época, as suas atenções nas Molucas. Não admira, pois, que, em 1520, tenha sido expedida de Lisboa uma armada de nove navios, comandada por Jorge de Brito, com a missão específica de  construir uma fortaleza nas Molucas.
Jorge de Brito foi morto em combate, em Achém, pelo que será seu irmão, António de Brito, a assumir o comando da armada.
Chegado às Molucas, em 24 de Julho de 1522, deu início imediato à construção da fortaleza de Ternate, a qual, um ano volvido, estava quase concluída. Até este ponto, Armando Cortesão refere-se ao descobrimento da Australásia. A partir de então, passa a aludir ao descobrimento da Austrália.
Como vemos, uma vez mais, Cortesão distingue geograficamente muito bem o que designa por Australásia e por Austrália ou «Ilha do Ouro». Talvez tenha sido a ausência desta distinção geográfica que levara Henry Major a atribuíra descoberta da Austrália a António de Abreu, em 1512.
A primeira tentativa portuguesa conhecida, dirigida expressamente para a descoberta da mítica “Ilha do Ouro”, como, aliás, refere João de Barros, foi cometida a Diogo Pacheco, que fez duas expedições.
Na primeira, partiu de Malaca, em 1518, com um navio e um bergantim.
Navegando pelo Sul de Samatra, onde perdeu o bergantim, continuou com o seu navio e foi ter ao porto de Baros , onde procurou recolher informações preciosas sobre a “Ilha do Ouro” e donde regressou a Malaca.
A segunda expedição de Diogo Pacheco, como nos diz o cronista João de Barros, padeceu grandes trabalhos «em tornar ao seu descobrimento do ouro o ano seguinte, por onde o armou Garcia de Sá em um navio da terra e um bargantim, com que chegou ao porto de Baros, onde estivera, no qual tornou achar quatro ou cinco velas de Cambaia e de outras partes, que lhe não consentiram tomar pouso dentro no porto, tirando-lhe às bombardas» confrontado com a hostilidade dos indígenas de BarusDiogo Pacheco fez-se ao mar e, rumando a Sueste, terá chegado à costa Noroeste da Austrália,  na região da actual Terra de Dampier.
Aí, esclarece o cronista João de BarrosDiogo Pacheco, «porque o vento lhe era contrário, e viu que a gente da terra  grã pressa se metia em lancharas pera vir também contra êle, meteu-se no bargantim, querendo tirar à toa o navio ao mar largo polo não tomarem; e foi o tempo tanto, que o mar comeu o bargantim, e o navio veo à costa, do qual escaparam alguns malaios, homens do mar, casados em Malaca, que se meteram pelo sertão da ilha atravessando-a tôda, e vieram ter da outra banda do Norte, onde acharam embarcação que os levou a Malaca, os quais contaram esta perdição de Diogo Pacheco, que foi o primeiro dos nossos que perdeu a vida por descobrir esta Ilha do Ouro»
Recorde-se que João de Barros diz nas últimas palavras da citação atrás utilizada que Diogo Pacheco «foi o primeiro dos nossos que perdeu a vida por descobrir esta Ilha do Ouro», o que sugere que ele chegou mesmo à costa Noroeste da Austrália.
Assim sendo, Diogo Pacheco foi o primeiro português a descobrir a Austrália, em 1519.
Aliás, o próprio Peter Trickett escreve, na página 62 do seu livro,o seguinte: «Diogo Pacheco, a bordo da nau, continuava a viagem para Sudeste ao longo da costa de Sumatra, um rumo que, caso tivesse sido seguido tempo suficiente, o teria, certamente, levado até à costa Noroeste da Austrália».
E quem pode garantir que não continuou - objectamos nós? Passemos, concretamente, à discussão crítica do livro do jornalista australiano Peter Trickett – "Para Além de Capricórnio".

Como os navegadores portugueses descobriram e cartografaram secretamente a costa da Austrália e da Nova Zelândia 250 anos antes da chegada do Capitão Cook.
Depois de, no primeiro capítulo do livro, fazer uma síntese satisfatória, sem incorrecções graves, da História dos Descobrimentos Portugueses, o autor passa a defender a tese da precedência portuguesa na descoberta da Austrália.
Começa por aludir ao insucesso das duas expedições de Diogo Pacheco, em 1518 e 1519, ambas saídas de Malaca com o objectivo de atingir a “Ilha do Ouro”, identificável miticamente com o que viria a ser a Austrália. Passa, nos capítulos seguintes, ao tema central do livro:a demonstração probatória da descoberta da Austrália pelo português Cristóvão de Mendonça.
A novidade e a validade do livro não está, obviamente, na indicação do nome do descobridor, nem na data da descoberta.
Além dos cronistas João de Barros e António Galvão, já vários autores, entre os quais José Maria  Rodrigues Armando CortesãoDuarte Leite e António Pereira Cardoso aludiram a Cristóvão de Mendonça e à sua descoberta da Austrália, em 1522.
Mas o livro de Trickett traz importantes contributos que reforçam a referida precedência da descoberta portuguesa da Austrália pela mão de Cristóvão de Mendonça.
Mas, estranhamente, o mesmo autor deixa testemunhos e faz afirmações que propõem mais para a nossa tese da descoberta da Austrália por Diogo Pacheco do que para a sua tese de Cristóvão de Mendonça.
Vamos abordar os contributos que consideramos essenciais.

1. O Atlas de Vallard e outra cartografia.

O conjunto de 15 cartas geográficas da «Escola de Dieppe», também conhecido por «Atlas de Vallard», encontra-se actualmente na Huntington Library, na Califórnia.
Foram elaboradas a partir de originais portugueses desaparecidos, pelo que não é de admirar que, como nos diz Trickett, estejam «bem delineadas e generosamente dotadas de topónimos de origem portuguesa».
Acrescenta o autor, concretizando, que «os dois principais mapas do Atlas de Vallard desta terra austral contêm nada mais, nada menos do que 120 nomes portugueses para características geográficas».
O autor caracteriza espantosamente esta cartografia, com as seguintes palavras: «Cada mapa de página dupla do atlas tem aproximadamente o tamanho de uma moderna folha A3.
Para quem os vê, a primeira impressão irresistível é o brilho das cores dos mapas, que permanece nítida mesmo depois da passagem de quatro séculos e meio.
As costas e as ilhas são exibidas em tons de verde, vermelho, azul e dourado, com os topónimos meticulosamente inscritos nas cores alternadas de azul-escuro e vermelho-escuro.
Os oceanos são embelezados com desenhos de rosas-dos-ventos elegantes, monstros marinhos e navios a todo o pano.
Ilustrações sumptuosas e multicoloridas das cortes de potentados e outras cenas fabulosas dão vida ao interior dos continentes».
Ao lermos estas palavras, ficamos sem quaisquer dúvidas acerca da influência portuguesa destes mapas e somos até levados a questionar se não terá mesmo havido mão de cartógrafo português na sua feitura ou na sua coordenação.
Um contributo que consideramos altamente meritório neste trabalho está no facto de o autor ter elaborado esboços dos mapas de Vallard e estabelecer, ao lado, um paralelismo com mapas da cartografia moderna.
Muito útil é também o esboço cartográfico por si elaborado, mostrando a «Rota provável de Mendonça, de Malaca ao estreito de Torres e Princess Charlotte Bay», na Austrália

2. Peças de artilharia. 

Regista que foram achados nas costas da Austrália peças de artilharia com características portuguesas. Concretamente, em 1916,o comandante e o cirurgião de um cruzador australiano foram atraídos por duas “balizas” que sobressaíam nas areias de uma pequena ilha junto à costa noroeste da Austrália. Ao aproximarem-se, verificaram tratar-se de dois canos compridos e estreitos de canhões de bronze, do tipo das colubrinase dos falcões.
Uma das peças estava decorada com uma divisa identificada com as armas da coroa portuguesa do tempo de D. Manuel.

Já em 1884,um pescador de pérolas australiano encontrara numa ilha, um pouco a Oeste da anterior, um canhão de bronze de cerca de um metro de comprimento, com uma bala no cano e a respectiva carga de pólvora, decorado «com um brasão descrito como uma coroa».

Ao que parece, era comum as peças de artilharia portuguesas em bronze serem marcadas com o brasão real.
Esclarece o próprio autor que Fernão Mendes Pinto, ao relatar como o seu navio capturara dois juncos de piratas chineses, escreveu que «foram encontradas dezassete peças de artilharia em bronze, quase todas elas portadoras do emblema real, que o cão (o pirata) roubara de três navios (certamente portugueses)

3. Homens estranhos com pele de crocodilos.
Segundo o cronista português Manuel de Faria e Sousa e o conteúdo de uma lenda local, os portugueses da segunda expedição de Diogo Pacheco foram vistos pelos indígenas da «Ilha do Ouro» como «estranhos com pele como a dos crocodilos».
Esclarece Trickett que «Pacheco e os seus oficiais teriam envergado armaduras e os seus homens utilizariam couraças peitorais e justilhos de couro, parecendo assim aos aborígenes que teriam a pele como adas tartarugas ou dos crocodilos».
Estas palavras do autor australiano reforçam a nossa tese, atrás exposta, de que Diogo Pacheco, com os seus homens, foi o descobridor da Austrália, em 1519.
É o próprio Peter Trickett a afirmar que «Diogo Pacheco tem o direito a ser distinguido como o primeiro português a pisar solo australiano. Todavia, embora a sua expedição venha acrescentar um novo capítulo intrigante à história australiana, foi de pouco valor na busca portuguesa pela Ilha do Ouro, pela simples razão de nunca ter regressado».
É verdade que não há descobrimento se não houver notícia a descoberta.
Mas a notícia chegou a Malaca pela voz dos companheiros de Pacheco, que se salvaram do naufrágio.
Deste modo, o descobridor da Austrália foi Diogo Pacheco e não Cristóvão de Mendonça.

A lenda do «navio de mogno».
 esqueleto da caravela de mogno na praia de Warrnambool, Vitória, Austrália
Depois de dissertar sobre esta lenda que se desenvolveu a partir da descoberta, em 1836, de um barco de madeira de mogno, conclui o autor que «se o enigmático Navio de Mogno era, de facto, de origem portuguesa, tratar-se-ia dos destroços do bergantim de Mendonça e não dos restos da sua caravela»
Consultar o vídeo:

 padrão descobrimentos  em Warnambool, Victória, Austrália, comemoração da chegada da guarnição de Cristóvão de Mendonça

5. Um pote de barro e a importância da arqueologia naval.
Em 1963, Olaf Mannes, um pescador comercial australiano de origem norueguesa, ao puxar uma rede de cerca de 100 metros de profundidade, “pescou”, na costado Mar da Tasmânia, um conjunto de pedaços de cerâmica, entre os quais uma peça quase intacta, «um pote de barro, com incrustações marinhas, com cerca de 31 cm de altura, em forma de cebola, com um gargalo estreito um pedestal circular na base». Sugeria tratar-se de um jarro de vinho antigo.
Analisado por três cientistas, acharam poder tratar-se de um jarro de vinho espanhol ou português do século XIII ou XIV, mas uma investigação mais aturada, efectuada pelo cientista David Price, datou o pote de 1500,com uma margem de erro de vinte anos».
Um outro pote de barro semelhante ao anterior, recentemente encontrado ao largo de Gabo Island, tem estado em processo de dessalinização para posterior análise científica.
A estatueta enigmática.
Em 1980, o historiador Mike Pearson, relatara ter ouvido falar de uma intrigante estatueta apanhada por uma rede de arrasto, na costa oriental da Austrália, provavelmente de carácter religioso. Porém, ao pretender analisar a estatueta, constatou que a mesma tinha desaparecido
Bittangabee Bay, provável local desembarque da guarnição de Cristóvão Mendonça
7. As antigas ruínas de pedra. 
Junto de um riacho que desagua na praia de Bittangabee Bay, existem umas ruínas de pedra, «escondidas por trás de uma cortina de vegetação nativa».


É lenda antiga de que estas «ruínas têm a ver com os portugueses» e que serão o que resta «de um forte e deu uma paliçada, construídos pela tripulação de uma embarcação enquanto passavam o Inverno».

8. O elmo de ferro. 

Nos finais do século XIX, o Colonial Museum deWellington recebeu um elmo de ferro de tipo medieval ou renascentista que fora encontrado no porto. Submetido a análise científica, concluiu-se que este elmo europeu foi fabricado entre 1450 e 1580, portanto, antes da chegada de holandeses e ingleses.
Nas imediações do referido porto, foi encontrada uma bala de canhão.
Conclui Trickett que a descoberta no porto de Wellington de um elmo militar do século XVI, provavelmente usado por um oficial de um barco português, e de uma bala de canhão ao largo da aldeia maori de Petone, sugere um confronto entre maoris e portugueses, mais parecido com o que sucedeu ao holandês Abel Tasman do que com as experiências do inglês Cook».
Em síntese, resumindo e concluindo. 
É evidente que estamos perante matérias susceptíveis de controvérsia. Louve-se, contudo, a coragem e a ousadia com que um jornalista australiano ousa defender a descoberta europeia do seu país por um português, Cristóvão de Mendonça, em 1522.
E é de enaltecer a convicção discursiva, os meios a que recorre e a robustez da argumentação que utiliza para defender a sua tese.
Como já atrás se disse, sem trazer novidade quanto ao nome do descobridor, nem à data da descoberta, aduz importantes contributos para um melhor esclarecimento de tão antigo assunto.
Pessoalmente, estamos convencidos de que a descoberta da Austrália pelos portugueses terá ocorrido muito antes 1522.
A sua chegada a Timor, em 1512/1514, como atrás ficou dito, deixou-os às portas da Austrália.
A conhecida irrequietude dos navios portugueses naquelas águas, para mais com o acicate da busca da mítica “Ilha do Ouro”, não se compagina como decorrer de mais de uma década sem alcançar aquela terra. Informação perdida? Política de sigilo por parte do rei de Portugal? Não pomos em causa a expedição de Cristóvão de Mendonça e a sua chegada à Austrália, em 1522.
Aliás, como atrás se viu, ela está referenciada por vários cronistas e foi estudada por diversos autores. O que pomos em causa é que tenha sido ele o primeiro português a navegar até lá. A nossa objecção é uma questão de precedência.
Com efeito, como atrás se viu foi Diogo Pacheco o português a chegar à Austrália, em 1519.
Uma questão assalta o espírito das pessoas menos familiarizadas com a temática da Expansão Portuguesa.
A questão é esta: se os portugueses descobriram a Austrália mais de um século antes do holandês Tasman, e cerca de dois séculos e meio antes do inglês Cook, por que razão não procederam à sua colonização? A explicação é simples. Portugal não tinha fundo demográfico suficiente para colonizar todas as terras que descobriu. 
Se tivesse gente, poderia ter colonizado vastos espaços, nomeadamente, os Estados Unidos, o Canadá e a África Austral, onde os portugueses foram realmente os primeiros a chegar.
Este último espaço é o mais significativo, visto que os navios lusos passavam por lá todos os anos, na ida e no regresso da Índia e de Moçambique, e, no entanto, nunca nos interessámos pela sua colonização.

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fonte: Grandes Exploradores Portugueses 
por SUSANA LIMA
https://books.google.pt/books?id=MK9nVsTPPVEC&q=Austr%C3%A1lia&dq=artefactos+encontrados+na+nova+zel%C3%A2ndia+portugueses&hl=pt-PT&source=gbs_word_cloud_r&cad=6#v=snippet&q=Austr%C3%A1lia&f=false

O verdadeiro descobridor da Austrália não foram os holandeses, em 1606, nem os ingleses, em 1770, os primeiros a pisar o continente australiano.
 Os portugueses anteciparam-se-lhes em 1522.  Mapas e artefactos da época comprovam-no.
Dezanove navios zarparam do porto de Lisboa, rumo ao Oriente, em Abril de 1519.
Primeira paragem : Goa, em Junho de 1520. Pedro Eanes, o comandante da frota portuguesa, transportava uma importante missiva para o governador, Diogo Lopes de Sequeira: por ordem real, um dos seus capitães, Cristóvão de Mendonça, ia liderar uma viagem de descoberta às ilhas do Ouro, que ficavam além da ilha de Sumatra (assim acreditava D. Manuel I).
Para o rei, era uma missão da maior importância, daí ter atribuído ao jovem nobre quatro navios para a concretizar - o mesmo número com que Vasco da Gama havia partido para a Índia, em 1497.
Há muito que os exploradores europeus procuravam as famosas ilhas de Ouro descritas de forma sedutora por Marco Polo, em 1295.
E os portugueses não eram excepção. Já o cientista grego Ptolomeu tinha defendido, no século I, a existência de um grande continente austral nos antípodas da Europa, justificada pela necessidade de simetria e equilíbrio cósmico.
O seu conterrâneo Pomponius Mela- nascido em Algeciras, Sul de Espanha - chamar-lhe-ia "Terra Incógnita " .
No renascimento, o continente do Sul era um misto de lendas de habitantes, fauna e flora exóticos, e uma atracção para os exploradores pela sua fama de riqueza em ouro e especiarias.
Para os portugueses, África revela-se uma desilusão enquanto fonte daquele metal preciosos e todas as  esperanças foram então depositadas no Oriente.
Antes de Cristóvão de Mendonça, já Diogo Pacheco havia tentado chegar ao continente do Sul por duas vezes - em 1519 e 1520.
O navegador conseguiu chegar à costa australiana, mas a sua frota (constituída por uma embarcação local e um bergantim - pequeno barco comercial construído no Oriente, mas segundo especificações portuguesas) ficou encalhada nos baixios de uma praia à mercê dos nativos hostis.
Os confrontos custariam a vida da maioria da tripulação, incluindo a do capitão Diogo Pacheco.
A cena foi narrada por dois dos mais prestigiados cronistas portugueses, João de Barros e Manuel de Faria e Sousa.
De acordo com o primeiro, em décadas da Ásia, o bergantim terá terá conseguido escapar, com alguns malaios a bordo, e regressar a Malaca. Mas o mais curioso é a semelhança entre estes relatos da batalha e a sua narração nos cantos e danças dos aborígenes da baía de Napier Broome.
A localização do confronto naquela região explicará o facto de quatro canhões, presumivelmente portugueses, terem sido encontrados nas imediações da baía.
Da primazia portuguesa, não ficaram para a posteridade quaisquer relatos.
O secretismo da missão era imposto pela Coroa portuguesa, que punia com a morte quem violasse.
O perigo desse tipo de informações cair nas mãos da vizinha Espanha a isso obrigava.
Sobretudo neste caso: de acordo com o Tratado de Tordesilhas, a Austrália encontrava-se em território espanhol e, se a descoberta de Mendonça fosse revelada, os espanhóis poderiam reivindicar para si todas as riquezas encontradas.
Em 1529, com assinatura do tratado de Saragoça, o território passou para o lado português.
O rei D. João III pagou ao rei de Espanha, Carlos I, 350 000 ducados, cerca de 280 milhões de euros para acabar definitivamente com a contenda sobre as ilhas das Especiarias - as Molucas -, desviando 17 graus para Leste a linha que dividiu os dois impérios ibérios.
O que os espanhóis  não sabiam é que esta deslocação da fronteira também dava a Portugal o continente australiano, descoberto por Cristóvão de Mendonça em 1522.
A ausência de textos da época é colmatada pela descoberta de vários artefactos que atestam a presença dos portugueses em território australiano, muito antes dos ingleses e dos holandeses.
Ainda assim, prevalece, no meio académico, uma controvérsia em torno da descoberta europeia da Austrália, pois é certo que os asiáticos há muito que percorriam aquela zona.
Acredita-se que pescadores indonésios navegavam ao longo da costa Norte da Austrália para capturar pepinos do mar ou tripangos, encontrados nas profundezas daquelas águas.
Para muitos historiadores, o primeiro europeu a pisar a Austrália foi o holandês Willem Janszoon em 1606, a bordo do Duyfken.
A sua missão era investigar a existência de ouro, especiarias e outras matérias-primas com interesse comercial na Nova Guiné- ilha separada da Austrália pelo estreito de Torres.
O navegador passou o estreito, entrou no golfo da Carpentária e, a 26 de Fevereiro de 1606, pisou pela primeira vez terra australiana no cabo York, em Queensland. Chamou-lhe " Nieu Zeland", pois encontrou semelhanças com Zeeland - a província mais ocidental da Holand, constituída por um conjunto de ilhas, com grande parte do terreno inundado.
O nome não seria adoptado mais foi mais tarde pelo seu conterrâneo, Abel Tasman, para designar a actual Nova Zelândia.
Em Junho, iniciou a viagem de regresso, pois achou  o terreno pantanoso e a população pouco amigável - 10 dos seus homens foram mortos nas expedições a terra.
Para outros estudiosos, o tenente inglês  James CooK do Endeavour  foi o primeiro europeu a atracar na baía de Botany - ponto de referência por todos os exploradores, localizado na costa  Leste australiana -, tendo chamado ao vasto continente Nova Gales do Sul, a 21 de Agosto de 1770: o nome acabou por ficar limitado ao estado onde se encontra a famosa baía.
O Objectivo oficial da viagem de Cook  era observar o trânsito do planeta Vénus, que seria visível no Taiti em Junho de 1769. Assim que registasse o fenómeno deveria prosseguir  para a segunda parte da missão, confirmar a existência do misterioso continente austral.
A 6 de Outubro, Cook, avistou terra e pensou ter chegado ao destino.
Rapidamente  se apercebeu do erro, passando os quatro meses seguintes a cartografar as linhas costeiras das ilhas do Norte e do Sul da Nova Zelândia.
Quando a 31 de Março decidiu regressar ao Reino Unido, com a mensagem de que o continente austral era um mito, acabou por descobri-lo acidentalmente.
Desde 1881 que alguns historiadores atribuem a descoberta aos portugueses.
O primeiro foi George Collingridge, que, infelizmente não o conseguiu provar. É de lembrar, que no princípio do século XVI, já os portugueses estavam em Timor (cerca de 700 Km da costa australiana ) e tinham estabelecido na ilha um entreposto comercial e exploravam os seus recursos naturais.
Mas foi em 1977, com a publicação do livro " a descoberta secreta da Austrália) de Kenneth Mecintyre, que o nome de Cristóvão Mendonça, se tornou conhecido.
O advogado australiano, apaixonado pela língua e história lusa, estudou afincadamente o método cartográfico português da altura e, através de elaborados cálculos matemáticos, conseguiu corrigir os desvios provocados, pelo campo magnético terrestre - que nos mapas originais não estavam representados - , bem como introduzir a curvatura do globo com exactidão.
Resultado: uma imagem detalhada e perfeita da costa australiana.
Quando a responsáveis  pela descoberta, todas as provas apontavam para Cristóvão Mendonça.
O tema voltou a ser tratado por outro australiano, o jornalista de investigação Peter Krikett em  "Para Além do Capricórnio", apresenta uma série de provas de que foram os portugueses a  descobrir a Austrália,  e defende que isso só não se soube  antes, por culpa dos franceses.  A história começa com dois mapas incluídos no famoso Atlas de Vallard - uma colecção de 15 mapas feitas à mão, em França, até 1545, repletos de detalhes e cores sumptuosas e que receberam o nome do seu primeiro proprietário o abastado empresáro Nicolas Vallard.
Actualmente estão guardados num cofre da prestigiada Hungtinton Library, em Los Angeles, nos E.U.A. Também conhecidos como mapas de Dieppe, a localidade onde foram concebidos, mostram um território denominado "Jave La Grande", cujas costas apresentam claras semelhanças com a costa australiana.
O facto foi referido pela primeira vez em 1856 por Sir Thomas Phillips um antiquário inglês que comprara o Atlas de Villard uns anos antes.
Phillips achou as parecenças de tal modo óbvias, que publicou uma cópia do mapa da "Terra de Java" oriental, intitulado, o "Primeiro mapa da Austrália" .
Cinco anos mais tarde Richard Hanry Major administrador de mapas do museu Britânico, segui-lhe os passos com a publicação "The discovery of Australia by the Portugueses". "A descoberta da Austrália pelos Portugueses" em que salientava ser indiscutível que aquele território tinha siso descoberto antes de 1542.
Para Pitter Trikett, toda esta confusão se deve a um erro da junção de dois mapas. Originalmente desenhados em pergaminho ou em pele de cabra ou carneiro, pois apesar de se usar mapas impressos desde 1477, os portugueses continuavam a preferir a pele, por ela resistir melhor às intempéries do alto-mar, - para uma costa do tamanho da australiana, seriam precisos três ou quatro. E, sem quaisquer indicações de bússola  sobre como orientar os mapas, havia várias formas de o fazer.
 Ao que parece os franceses escolheram a errada.
Outra evidência presente nestes mapas são mais de cem nomes de Locais em Português : Rio Grande, Rio Seguro, Terra Alta, Bonno Porto, Ponto Stº António, e Ilhas Grandes são apenas alguns exemplos.
Os mapas incluem também rios, ilhas, baías e promontórios que correspondem  à actual linha costeira australiana em grande detalhe.
Cristóvão Mendonça terá sido o seu autor original retratando em pormenor as principais características topográficas da costa Leste e Sul da Austrália bem como parte substancial da Nova Zelândia.
 A baía de Botany, por exemplo - assim nomeada, cerca de 200 anos mais tarde, pelo capitão inglês James Cook - está cartografada com as suas dunas de areia branca (hoje praticamente tomadas pelo verde de um campo de golfe), que levaram Mendonça a chamar-lhe " Baía Neve" . Castelo de proa alto, tombadilho imponente, fileiras de canhões dos lados, três mastros e grandes velas com cruz vermelha da ordem de Cristo. É este o retrato da nau do explorador português numa pintura da armada de Pedro Eanes que integra o manuscrito O Livro de Lisuarte de Abreu, datado de 1565, uma relação ilustrada das armadas da Índia desde Vasco da Gama (1497) até Jorge de Sousa 1563.
A opção por este tipo de embarcação deveu-se de facto de ela permitir o transporte de uma quantidade de provisões - indispensáveis numa viagem tão longa - e de bens de troca, e de estar bem preparada para eventuais confrontos com outras potências estrangeiras ou mesmo com os habitantes locais.
Se, por um lado ,os portugueses sabiam que poderiam encontrar navios espanhóis sob o comando do português Fernão de Magalhães a navegar por aquelas paragens - com intuitos semelhantes aos seus - , por outro, é preciso lembrar que iam à descoberta de um continente desconhecido- Era um tipo de exploração em que por experiência própria, sabiam correr o risco de não receber a mais amigável das recepções. Ao lema de São Cristóvão, ia Cristóvão de Mendonça, seguido de perto pela caravela Rosário, pelo Bergantim Sant' António e por um parau (barco à vela malaio muito utilizado no Sudeste Asiático e, neste caso, propriedade de outro capitão português já no Oriente. Gonçalo Homem) que se juntaria mais tarde. Estas duas últimas embarcações possuíam particularidades interessantes para a missão que tinham em mãos . O Parau era veloz e manobrável, ideal para a exploração no interior da costa. Já o bergantim permitia a navegação sem vento, pois estava equipado com remos, e os de maior dimensão podiam transportar entre 12 e 20 canhões. Pelo menos uma delas não terá terminado a viagem. A Sant'António estará, ainda hoje soterrada nas dunas da baía Armstrong, na Austrália. Devido  à quilha pouco profunda  e ao fundo plano seria dos barcos portugueses, o mais facilmente arrastado para terra por uma tempestade do Sul. Esta é uma das teorias que rodeiam o célebre  " Navio de Mogno". Apesar das inúmeras buscas, esta embarcação nunca foi encontrada, o que não impediu a criação de uma atracção turística. Em 1992, o governo local ofereceu uma recompensa de cerca de 200 000 euros a quem encontrasse a quem encontrasse o navio de madeira escura, mas as buscas revelaram-se infrutíferas. Dada a importância da lenda para o turismo, foi construída uma réplica da embarcação -   a Notorious - , lançada em Port Fairy, em 2011. Aqueles que defendem a presença da Sant' António na Austrália, suportam a teoria com pinturas e relatos aborígenes, bem como com algumas palavras dos seus dialectos que parecem ter raízes na língua portuguesa.

Sem o achamento da embarcação, não é possível incluir os destroços do bergantim na lista de descobertas arqueológicas que atestam a presença dos portugueses na Austrália, muito antes dos holandeses e dos ingleses. A ela pertencerão cinco canhões, alguns artefactos de cerâmica descobertos por pescadores (dois potes de barro amarelo acastanhado que se assemelham a jarros de vinho da época e alguns cacos recuperados ao largo de Gabo Island, que não foi possível reconstruir mas que pertencem a objectos de cerâmica do século XVI), um peso de pesca com 500 anos, um elmo militar de ferro (provavelmente usado por um oficial do século XVI) e uma bala de canhão. Estes dois últimos objectos foram encontrados ao largo da aldeia maori de Petone, o que poderá sugerir um confronto entre maoris e portugueses. Os canhões são, sem dúvida, as provas físicas com maior peso. Os dois primeiros encontrados em 1916 - plena Primeira Guerra Mundial - em Carronade Island, quando o cruzador australiano Encounter patrulhava a costa noroeste do país, em busca de navios de guerra alemães. Ao avistarem em terra o que  parecia ser duas balizas, os australianos decidiram desembarcar para satisfazer a curiosidade. Acabariam por comprovar tratar-se de dois canos de canhões antigos de bronze que se erguiam da areia - uma espécie de manifestação de poder por parte dos aborígenes, que os exibiam como um troféu de guerra. O terceiro canhão foi descoberto dois anos depois, por três pescadores de pérolas, submerso a cerca de meio metro, num recife da mesma baía.
E, na mesma altura, encontrou-se um quarto canhão (carregado) num acampamento aborígene deserto, na mesma região. Quanto ao último, foi encontrado por um jovem de 11 anos, Chistopher Doukas, na praia australiana de Dundee em Janeiro de 2010, mas só viria a ser estudado dois anos mais tarde, no Museu de Darwin, cidade natal de Doukas. Tudo indica que estes cinco canhões pertenciam a embarcações portuguesas dos séculos XV e XVI.
 Port Fairy
A ciência náutica portuguesa suplantava, na altura, a dos seus principais rivais. A concepção das embarcações bem como os instrumentos de navegação utilizados eram bastante evoluídos para a época, ainda assim, os.marinheiros enfrentavam enormes dificuldades. A própria bússola - o mais famoso e o mais utilizado - nem sempre era fiável.
No início do século XVI, ainda não se conhecia na totalidade o problema da diferença entre o Norte magnético e o Norte real. Em mar aberto, a única forma de calcular a longitude era por estima, o que comprometia a fiabilidade do resultado. Ainda não era possível medir, com precisão, a velocidade do navio, tendo em conta os efeitos da deriva e das correntes oceânicas. A tarefa tornava-se ainda mais difícil - se não mesmo impossível - se a embarcação navegasse em ziguezague. Mas, apesar de todos os obstáculos, Peter Trickett salienta que " o Capricórnio do mapa de Vallard demonstra que, pelo menos ao nível da latitude, Mendonça e os seus oficiais conseguiram determinar a sua posição na costa Leste da Austrália com uma precisão incrível ". Os portugueses conseguiram definir esse trópico apenas com um erro mínimo de alguns quilómetros. Ainda assim, não estavam preparados para navegar com ventos contrários, sendo obrigados a sujeitar as datas de viagem às condições meteorológicas - dando especial atenção, naquela zona, aos ventos de monção (favoráveis entre Abril e Setembro, soprando dos lados de Madagáscar para a Índia). Dada a grande dimensão das suas velas, a nau de Cristóvão de Mendonça, com vento de feição, poderia atingir os oito nós (cerca de 15 quilómetros por hora).
O capitão português acabaria por aguardar por condições favoráveis em Cochim, um porto amigável a Sul de Goa, até meados de 1521. De lá seguiu para Malaca, um ponto estratégico na península malaia tomado pelos portugueses em 1511. Foi aí que se apercebeu do perigo que os governantes asiáticos hostis representavam especialmente o sultão de Achém, no Norte de Sumatra, com quem os portugueses estavam em guerra.
Segundo João de Barros, o cronista oficial do reino, solicitou-se então a Cristóvão de Mendonça e à sua frota que fossem até Pedir, um porto aliado que fazia fronteira com Achém, para ajudar a construir um forte. O trabalho foi demorado, que o capitão voltou a perder os ventos de monção favoráveis e teve de regressar a Malaca, a 10 de Janeiro de 1522.
É a partir daqui que se instala o mistério. Durante cerca de seis anos, Mendonça desaparece das crónicas portuguesas. Só reaparece em 1528, aquando da sua chegada a Goa para uma nova missão: assumir o comando da fortaleza de Ormuz. Esta terá sido a recompensa de D. João III (sucessor de D. Manuel I, falecido a 13 de Dezembro de 1521). pela descoberta do continente austral.
Ao percorrer a costa, os navios de Cristóvão devem ter voltado para trás no início da Grande Baía Australiana, pois não há qualquer mapa da altura que a retrate - o que aconteceria se por lá tivessem passado.
A circum-navegação da Austrália terá sido então interrompida devido às condições de navegação. Se continuassem a navegar para ocidente, os portugueses teriam de velejar contra ventos dominantes com embarcações que não estavam minimamente preparadas para o efeito, numa costa sem qualquer abrigo ou refúgio.
Assim, no Outono de 1523, Cristóvão de Mendonça terá iniciado a sua viagem de regresso ao reino. Depois de algumas paragens nas ilhas das Especiarias ou em Java, e em Malaca, rumou à Índia. Terá atracado na maior base naval portuguesa do Oriente - Cochim - até Setembro do mesmo ano, de modo a evitar os ventos contrários da monção de Inverno.
Depois de quase dois anos no mar, a sua nau São Cristóvão, estaria a precisar de reparações. Assim, para conseguir chegar a Portugal e relatar todas as suas descobertas ao rei, Mendonça teria de se juntar a uma frota que fosse naquela direcção. Ao que parece, na mesma altura chegou a GoaDiogo de Melo, transportando uma carga de especiarias com destino a Lisboa.
Segundo os registos oficiais, Cristóvão de Mendonça assumiu o seu lugar ao lema da Victória. A largada de Goa terá tido lugar entre os últimos dias de 1523 e os primeiros do ano seguinte.
Uma tabuleta deixada na Cidade do Cabo - onde terá parado para reabastecimento de água e para descansar - comprova a sua chegada ao local a 25 de Março ou Maio de 1524 (os dizeres estão um pouco apagados, mas tudo indica que terá sido no mês das flores).
Chegado a Portugal em 1524, Cristóvão de Mendonça é prontamente recompensado pelo rei vigente, D. João III, com a capitania de um lucrativo entreposto comercial: Ormuz.
A 26 de Março de 1527, ao comando da  nau Santiago, Cristóvão de Mendonça parte de novo para  a Índia. Sabe-se que o seu navio integrou uma frota de cinco, dois dos quais naufragaram ao largo da costa de Madagáscar.
Situada numa ilha de cerca de 20 quilómetros de extensão, ao largo da costa Sul do continente Persa e no actual IrãoOrmuz dominava a entrada do golfo Pérsico - mesmo no centro das grandes rotas marítimas da Índia e da China.
Se fosse perspicaz, o capitão português poderia lucrar com a posição, reunindo avultada fortuna pessoal. Mas, se por um lado, a localização geográfica de Ormuz lhe trazia claros benefícios comerciais e segurança relativamente a uma invasão terrestre, por outro, tornava-a mais vulnerável a ataques por mar.
Basta consultar os anais da história para ver a facilidade com que a armada do português Afonso de Albuquerque capturou a cidade, em 1515.
A ausência de água doce na ilha era, sem dúvida, o seu principal ponto fraco.
Sem água, a sobrevivência dos animais estava comprometida e era praticamente impossível semear qualquer tipo de vegetal para alimentação. Ormuz estava assim dependente do continente e das ilhas vizinhas para satisfação das suas necessidades do dia a dia, alimentos frescos e água. Esta característica era  agravada, nos meses de verão, pelas temperaturas abrasadoras que se fazem sentir naquela região.
Ainda assim, apesar do calor insuportável e da falta de água potável, Ormuz era a fonte mais rica de rendimentos alfandegários de todo o Oriente português, como relatou o historiador escocês William Robertson em 1791, An historical disquisition concertning the bknonledje whish the ancients had of Índia:
O grande centro de comércio, a partir do qual o império Persa e todas as províncias da Ásia a ocidente eram fornecidos com as promoções da Índia; e a cidade que construíram naquela ilha estéril, destituída de água, foi considerada como um dos principais locais de opulência, esplendor e luxo do mundo ocidental.
Cristóvão de Mendonça assumiu o comando de Ormuz em 1528.
Sendo filho de Diogo de Mendonça, o primeiro alcaide-mor de Mourão- um conjunto de vilas fortificadas que guardavam, em pleno Alentejo, a fronteira com a Espanha- , sabia bem a responsabilidade que acabara de assumir. Bem como os proveitos que dela poderia tirar.
De início, tudo correu bem. Veja-se que Mendonça conseguiu voltar a ser pioneiro, desta feita através do estabelecimento de um novo caminho terrestre entre Bassorá (um porto a Sul do actual Iraque, nas margens do rio Eufrates) e Portugal. O percurso foi feito por um mensageiron que levava cartas urgentes para o rei D. João III. Atravessando territórioi muçulmano hostil, o homem foi obrigado a viajar incógnito numa caravana de ncamelos. Se fosse descoberto, saeria certamente torturado e executado. O mensageiro acabou por chegar à prença do rei apenas três meses depois da sua partida do Oriente - menos de metade do tempo que teria demorado se tivesse feito a viagem por mar, como era habitual. Foram estes os feitos que ficaram para a História. Do próprio Cristóvão de Mendonça, pouco se sabe. O australiano Peter Trickett encontrou apenas sete entradas sobre o navegador na biblioteca nacional australiana, em Camberra, depararam-se-lhe 77 referências ao navegador português. Retratos, não há. Calcula-se que nasceu em 1475, em Mourão. Um estudo genealógico recente aponta-o como o quinto filho de Diogo de Mendonça, havendo dúvida se seria o benjamim da família ou se ainda existiam mais irmãos. Ele próprio não deixou......